27 de outubro de 2003

António Arrão nasceu em 1947 na remota aldeia de Guisado, no norte do país. Cedo compreendeu que a sua vocação era a da apanha da giesta na Serra do Gerês, labuta para a qual se preparou psicologicamente durante os anos em que frequentou a escola primária. Mas foi a pesca do bacalhau à linha, em alto mar, que, por ironia do Destino, lhe ofereceu sustento para o início da sua prolífica vida.
Na sua viagem inaugural, apesar de verde conseguiu pescar uma invejável quantidade de bacalhau, só ficando atrás do mais experiente bacalhoeiro. Com isto ganhou boa reputação entre os homens do navio e junto do capitão. No decorrer das seguintes viagens apaixonou-se pela cozinheira do navio, cujos olhos era a única parte do corpo que via, através do orifício por onde passavam os pratos. Na sua décima viagem compreendeu que, apesar dos indícios que a qualidade da confecção do pescado e das batatas já davam, o nome da cozinheira – José, ou simplesmente Zé – não vinha de Maria José. Zé era o nome dum cozinheiro; o que nunca ficou esclarecido foi se a Zé tinha sido sempre o Zé, ou se o Zé tinha substituído uma eventual cozinheira chamada Zé. Os olhos eram muito similares, no entanto.
Não recomposto desta desilusão António Arrão quis suicidar-se, mas o capitão não permitiria tal coisa a bordo do seu navio. Deixou-o, então, num iceberg do mar do norte, com um penico e um exemplar d´Os Lusíadas e prometeu passar por lá no regresso da viagem para o levar de volta, caso tivesse mudado de ideias. Numa noite quente e estrelada, depois de Arrão ter chegado à conclusão de que efectivamente devia pôr termo à sua vida, um navio, que outrora fora conhecido por Titanic, chocou com o iceberg. Arrão foi arremessado contra o casco e foi parar dentro de água, de onde foi salvo, já inconsciente pelo navio que socorreu os desgraçados passageiros do navio. Uma pena foi o navio ter ido ao fundo, já que não se pôde aproveitar nem os lençois de seda, nem os penicos de porcelana fina, que ainda hoje estão no fundo do mar.
Arrão acordou na América, mais precisamente no quarto andar do número 52 da 52ª rua, perto da 6ª avenida, em Nova Iorque. Isto aconteceu aproximadamente dez anos depois do acidente no iceberg. O que se passou entretanto, ninguém sabe. Arrão acordou sozinho e no apartamento, ao lado da cama só havia uma pilha de livros cujo autor era, aparentemente, ele, uma garrafa semi-vazia de Marquês de Borba e um post-it que tinha escrito: “Não posso viver mais contigo sem saber se estás em coma, ou simplesmente a dormir.”
O pobre bacalhoeiro do Guisado, saíu de casa, naquela estranha cidade, ligeiramente entorpecido e dirigiu-se ao SoHo. Entrou na primeira cafetaria que encontrou e pediu uma dezena de panquecas e maple sirup, o qual desastrosamente entornou sobre um guardanapo de papel que se colou ao seu sobretudo, deixando uma mancha que se assemelhava a Leonardo da Vinci apanhando gladíolos na Pampa. Foi aí, em 1978, que, segundo Jordan Greenpuff, teve início a carreira de um dos mais produtivos artistas plásticos do século XX. António Arrão mudou o seu nome para Andy Warhol, casou com Yoko Ono e assassinou o anterior marido desta. Foi simulada uma morte por envenenamento, para esconder o seu actual paradeiro, mas que, segundo as minhas investigações, são os calabouços da prisão de Sing-Sing.´´

27 de outubro de 2003

4 pensamentos em “a.a.

  1. Ricardo Ramalho says:

    Andaste a beber ?
    eheh
    😉

    Ricardo

  2. Digamos que é um mero exercício de prosa surrealista…. Não posso?!

  3. Ricardo Ramalho says:

    Tava a brincar! E sim…. claro que podes! 🙂

    Ricardo

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