25 de agosto de 2012

Ao escrever o post anterior consultei, entre outras fontes de dados a PORDATA, base-de-dados do Portugal Contemporâneo. Consultei outros recursos públicos, como Júri Nacional de Exames, o GAVE, a DGES, além do Google para isolar temporalmente dados de jornais, já que os números das vagas, candidatos e afins são geralmente difundidos nos meios de comunicação (se bem que sujeitos a pouco mais do que o habitual “este ano subiu, o ano passado desceu”).

Um dos problemas com que me deparei foi a inconsistência da forma como os dados são apresentados e arquivados. Embora pareça haver mais esforço nos últimos anos, parece que as mudanças governamentais têm sérios impactos na persistência da informação. A quantidade de links quebrados que meramente apontam para o genérico www.portugal.gov.pt é enorme. Deveria ser obrigação do Estado garantir a persistência desta informação para memória futura. E, que diabo, a internet e a informática tornaram isso muito fácil. Não penso que seja uma acção deliberada, mas é algo que está entranhado na nossa maneira de lidar com a novidade: “isto agora é que vai ser, limpa tudo”.

Entra a PORDATA, iniciativa (privada) da fundação (privada) Francisco Manuel dos Santos. Trata-se de um instrumento que recolhe dados de entidades oficiais, como o INE, diversos ministérios e entidades governamentais nacionais e europeias. É permanentemente actualizada.

Embora tenha algumas semelhanças com o inglês data.gov.uk, o americano data.gov,o francês data.gouv.fr ou o alemão daten-deutschland.de, frutos dum movimento de transparência governamental e fácil acesso aos dados dos  Estado, não é exactamente a mesma coisa (curiosamente, o inglês e o francês com a tão típica marca beta dos projectos informáticos). Em primeiro lugar, não quer cumprir o mesmo serviço. O governo português deveria seguir o mesmo caminho e disponibilizar os dados de forma centralizada. No entanto estes serviços são essencialmente grandes repositórios. Indexáveis, é certo, mas não necessariamente de fáceis de lidar. A PORDATA, além de compilar os dados, organiza-os por áreas temáticas. Isso torna-os de mais fácil e rápida consulta, sobretudo para os leigos das estatísticas, mas nem por isso menos curiosos. Além disso, os dados são de fácil visualização – com gráficos estáticos e dinâmicos – e exportação.

A PORDATA é uma verdadeira pérola, não só, como disse, para os curiosos como eu, mas um autêntico instrumento de investigação, estimulação e de cultura. Aqui deixo os meus agradecimentos a todos os que tornam possível este recurso, em particular a Maria João Valente Rosa (directora da PORDATA), a António Barreto (Presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos) e ainda a Alexandre Soares dos Santos, (presidente do Conselho de Administração do Grupo Jerónimo Martins). Sim, mesmo sem receber pagamentos inferiores a €20 com cartão, o Pingo Doce e os seus lucros também nos trazem coisas boas.

25 de agosto de 2012

22 de agosto de 2012

Há semanas, um artigo no Público e um post do Vasco Mina no Cachimbo de Magritte, suscitaram a minha curiosidade acerca dos números do acesso ao ensino superior, nomeadamente as vagas disponíveis e os candidatos. Em particular, o Público destacou o seguinte:

O aumento do insucesso escolar no 12.º ano levou, de novo, a uma redução do número de candidatos ao ensino superior. O número de estudantes que se candidataram na 1.ª fase do concurso nacional de acesso, que terminou na sexta-feira, é o mais baixo desde 2006. (…) Em declarações ao PÚBLICO, o presidente da Comissão Nacional de Acesso ao ensino superior, Meira Soares, indicou que a quebra de candidatos “já era esperada”. “Há menos estudantes a conseguirem concluir o 12.º ano e, portanto, há menos candidatos ao ensino superior”, explicou. Foi o que sucedeu também no ano passado.

Uma das questões que coloquei a mim mesmo foi a seguinte: que papel têm a natalidade e o número total de alunos nestes valores? Sabemos que a natalidade tem vindo a decrescer, portanto o número de alunos disponíveis deve ser menor. Será só a dificuldade nos exames que influencia o acesso à universidade? Para tal resolvi experimentar fazer um modelo que dissesse quantos alunos acabam o ensino secundário, tendo por base a natalidade, e ver se há alguma relação importante.

O modelo

O modelo é simples. Pegamos nos nascimentos de cada ano (dados da Pordata) e, seis anos depois, pomo-los na primeira classe. Cada ano voltamos a fazer o mesmo e passamos a população do ano n–1, para o ano n. Para validar o modelo contra os dados estatísticos, utilizei mais dados da Pordata, nomeadamente a do total de alunos nos ensinos básico e secundário por ano. Assim, se eu somar, anualmente, a população do 1º ao 9º ano e a população do 10º ao 12º ano, tenho dados que dão alguma noção do cabimento do modelo. Usei dados de nascimentos desde 1980, mas só mostro resultados a partir de 1992, depois da primeira geração ter percorrido um ciclo inteiro. Para o modelo se ajustar aos dados, tive de introduzir alguns parâmetros, mas surpreendentemente só dois foram necessários, e penso que são lógicos:

  • o número de alunos que entra no primeiro ano é aumentado em 15%. Acaba por ser um valor médio das retenções, que aumentam a população de cada classe. Este valor pode ser calculado em cerca de 20% para os últimos dez anos no ensino básico, olhando para os dados de alunos transitados, e cerca de 46% (menos uniforme, variando entre 60% em 1990 e 30% em 2010). De qualquer maneira, no o meu ajuste manual, cerca 15% foi suficiente, talvez contabilizando nesse valor perdas de número total de alunos por outros motivos. Estes números referem-se apenas ao ensino público, sendo que o ensino básico privado totaliza cerca de 10%-15% do total de alunos na última década e o secundário 13%-20%.
  • na passagem do 9º para o 10º ano (básico para o secundário), perdem-se 10% dos alunos, ou seja pessoas que deixam de estudar. Um cálculo rápido do quociente entre o número de alunos por ano no básico e no secundário, em dado ano, dá uma média aproximada 10.8% para este valor, sendo que, obviamente, é uma conta bastante apróximada, já que são populações diferentes.
  • o parâmetro anterior é dinâmico até 1995. Antes dessa data, cada ano anterior perdia mais 8% de alunos. Ou seja, em 1994, 18% dos alunos não passa para o secundário, em 1993, 26%, etc. Não verifiquei com dados históricos a validade desta modelação, foi determinado apenas por ajuste aos dados do modelo.

Resultados

Figura 1
Figura 1 – População no Ensino Básico e Secundário (modelo e dados). Resultados do modelo para a população que acaba o 12º ano. Vagas e candidaturas ao ensino superior público.

Olhando para a Figura 1, vê-se que a população no básico e no secundário são bastante bem representadas pelo modelo. A grande quebra é em 2009 quando entra em vigor o programa “Novas Oportunidades”, em que há um acréscimo de população. No entanto, muita desta população vem para “validar competências” e suspeitei que a maioria dessas pessoas não obtém esse diploma para voltar à universidade. De facto, as suspeitas confirmam-se olhando para os dados da DGES, em que não se nota qualquer flutuação anormal no número de candidatos ao ensino superior, nem qualquer necessidade de ajustamento do número de vagas em anos subsequentes.

Assim, dou-me por relativamente satisfeito com o meu modelo e tenho agora uma maneira de estimar qual é a pool de anual de alunos que podem vir a candidatar-se ao ensino superior. Note-se que este modelo não diz nada sobre a qualidade das notas das pessoas, nem das aspirações ao nível formativo daqueles que acabam o secundário. A única coisa que o modelo afirma é que há uma correspondência bastante grande entre o número de pessoas que nascem e as que frequentam o ensino básico, que após isso, cerca de 90% dessas pessoas passa para o secundário (número que estabilizou após 1995, até então vinha aumentando) e que, essas pessoas acabam o secundário, logo são potenciais candidatos ao ensino superior. A título de exemplo, o Público diz que houve 160 mil alunos inscritos para provas da primeira fase e eu previ 113 mil alunos a acabar o 12º ano. Poderia ter tentado pedir ao Ministério da Educação dados para a frequência e conclusão do 12º ano para melhorar o modelo, mas não o fiz, e também realço que não fiz qualquer optimização dos parâmetros que mencionei para além do ajuste manual e do estabelecimento aparente de concordância entre os dados.

Desta forma, este parâmetro, o número de alunos que acaba o 12º ano, não é suficiente para prever o número de vagas a serem criadas, já que há medida que o grau de instrução da população aumenta, de forma idêntica ao que aconteceu com o ensino secundário, prevê-se que aumente a proporção de alunos que frequenta o ensino secundário. Assim, a baixa de natalidade é contrariada por aumento da percentagem de alunos que prosseguem os estudos.

Figura 2
Figura 2 – Vagas, candidatos e colocados (dados DGES) em comparação com o número de alunos que acabam o 12º ano (modelo)

Há, no entanto, algumas curiososidades que se podem observar. Na Figura 2 vê-se em detalhe os resultados do meu modelo, comparado com as vagas, candidatos (1ª fase) e colocados (1ª fase), no segundo eixo dos Y (dados DGES). Vemos que as vagas têm uma tendência inversa ao número alunos disponíveis (que terminam o 12º ano). Isto significa que o Ministério da Educação/Universidades vêem ou antecipam um aumento de procura, ou seja, que, mesmo havendo menos alunos, há uma maior proporção que prossegue estudos superiors. A tendência não é clara com os candidatos/colocados. Parece haver uma correlação atenuada, entre os candidatos e as vagas, correlação que se acentua entre as vagas e os colocados. Este último ponto é em certa medida previsível, já que a oferta limita as colocações. De qualquer maneira, embora não haja vagas para todos os candidatos, o número de colocados é inferior ao número de vagas, provavelmente pelo facto de haver cursos com mais procura do que oferta e cursos cujas vagas não são totalmente preenchidas.

Manipular a dificuldade?

Resolvi, no entanto, aproveitar os dados do meu modelo e calcular os rácios de vagas por número de alunos disponíveis e candidatos por número de alunos disponíveis, sendo que o número de alunos disponíveis é o que o modelo calcula. Os resultados estão na Figura 3 e mostram coisas mais interessantes que o gráfico anterior.

Figura 3
Figura 3 – Rácio entre vagas e número alunos que terminam o 12º ano e entre candidatos e número de alunos que terminam o 12º ano.

Em primeiro lugar, o rácio de vagas por aluno disponível parece aumentar quase linearmente por ano. Todos os anos se aumenta o número de vagas disponíveis em 1.2% relativamente ao número total de alunos que acaba o secundário. Quase que parece que fizeram o mesmo modelo que eu e decidiram aumentar o número de vagas de forma uniforme todos os anos. Em 2000 as instituições de ensino superior só podiam acolher 30% dos alunos finalistas, sendo que, a continuar assim, em 2016, há capacidade para 50% desses alunos. Curiosamente, entre 2000 e 2008, o declive é proporcional ao do aumento do PIB per capita (não mostrado); será que é esse o factor que define o número de vagas? Voltarei a isto.

No entanto, para mim, o mais interessante é o rácio de candidatos por aluno que acaba o 12º ano. Na Figura 2 já se podia observar que as curvas era relativamente paralelas à excepção de uns saltos. Ora, aqui vê-se que claramente que parece haver períodos de tempo em que esse rácio é constante: entre 2000 e 2006, de 2007 a 2010 e, embora só haja dois pontos, o período de 2011 a 2012. Não tenho dados suficientes para interpretar e não fiz estudos da significância estatística, mas parece haver momentos de dificuldade diferente nos exames nacionais/programas. Até 2006 era “mais difícil”, entre 2007 e 2010, “menos difícil”, e desde 2011, dificuldade “intermédia”. Como disse, não tenho dados nem memória para saber interpretar se foi isto que aconteceu. Mas consultando os Público online fiquei a saber que em 2007 os exames passaram de 120 para 150 minutos. Relativamente a 2011, não sei o suficiente para apontar alterações aos exames, mas a notícia acima mencionada refere:

“Com exames mais difíceis, a percentagem de alunos que concluiu o ensino secundário em 2011 desceu de 66,8% para 63,2% – o que, obviamente, se reflectiu no número de candidatos ao ensino superior: no conjunto das três fases houve uma quebra de 7,3% por comparação ao ano anterior.”

Não sei o que tornou os “exames mais difíceis”, mas é consistente com a a minha análise. Abaixo, na Figura 4 a), mostro os mesmos dados, mas com um fundo a identificar os períodos de graus de dificuldade diferentes nos Exames Nacionais que conjecturo. À direita, por curiosidade, ponho as cores dos governos que estavam em vigor. Apesar de haver uma tendência, não há uma correlação directa, até porque muitas vezes as reformas só entram em vigor vários anos depois, podendo entretanto haver mudança de cor partidária.

Figura 4
Figura 4a) Identificação dos conjecturados períodos de graus de dificuldade diferentes dos Exames Nacionais. b) Governos em vigor. Trata-se de curiosidade apenas, ver nota no texto acerca da falta de significado directo.

Sobre as vagas

Uma consideração final, em relação às vagas. Disse o Público:

“Para já, a diminuição do número de alunos que se inscrevem pela primeira vez no ensino superior não produziu efeitos nas vagas disponíveis. O seu número sempre foi maior do que o de candidatos existentes e, apesar de este ano ter existido uma redução de 2,2% (menos 1202), existem ainda 52.298 lugares para novos alunos. Em 2011 ficaram por preencher 7884 vagas.”

E o Vasco Mina no Cachimbo de Magritte:

“(…) Mas esta notícia destaca uma outra realidade, essa sim, que impressiona: a diferença (desde há vários anos) entre o número de vagas disponíveis e o número total de candidatos. Ou seja, temos mais vagas que candidatos. Só em 2011 ficaram por preencher 7.884 vagas. Este ano existem 52.298 lugares disponíveis no ensino superior e na 1ª fase candidataram-se os já supracitados 45.383. O nr. aumentará com as 2ª e 3ª fases mas ficará sempre aquém do total das vagas. Impressiona ainda que a redução de 7% no número de candidatos em 2011 tivesse sido acompanhada, apenas, com uma redução de 2,2% no nr. de vagas para este ano. Oferta e procura estão manifestamente desajustadas! Não se trata aqui propriamente do habitual discurso dos mercados. Trata-se, tão simplesmente, de realidades que não encaixam. (…)”

Como mostrei na Figura 3, o número de vagas por aluno potencial tem vindo a subir de forma linear. Não investiguei exaustivamente como este número é determinado, tendo apenas constatado que, na última década, está bem correlacionado com o PIB per capita. Segundo a DGES:

Quantas vagas há para cada curso em cada instituição? As vagas para cada curso em cada instituição de ensino superior são fixadas anualmente pelas próprias instituições, tendo em consideração os recursos de cada uma e subordinadas às orientações gerais estabelecidas pelo Ministro da Educação e Ciência, e divulgadas antes do início da candidatura pela Direção-Geral do Ensino Superior no seu sítio da Internet através do Guia da Candidatura ao Ensino Superior Público e do Guia da Candidatura ao Ensino Superior Privado e Universidade Católica Portuguesa.”

A política parece estar a mudar com o congelamento das vagas, mas olhando para a última década, das duas uma:

  • ou há uma política de aumento vagas progressivo, correlacionado com algum dado que não sei precisar (o tal número de alunos, o PIB per Capita, etc.);
  • ou há uma reacção atenuada ao número de candidatos, em que a tendência é seguida, mas de forma retardada para evitar flutuações muito grandes. Faz um certo sentido, porque mesmo que os candidatos aumentem muito, as universidade podem não conseguir responder imediatamente a aumentos de procura. Funciona como um filtro passa-baixo.

O primeiro caso seria particularmente catastrófico caso não tivesse havido o boom de candidatos entre 2007 e 2010. Mas vemos que, à excepção do mau ano de 2005, os últimos anos mostram uma tendência acentuada de desfasamento entre oferta e procura.

Conclusão e Previsões

Não tenho dados suficientes para dizer definitivamente se aquilo que observo suporta estas minhas interpretações. Mas a serem verdade, e utilizando os valores previstos pelo modelo para os próximos anos, arrisco o seguinte:

  • o facto de ter havido o programa “Novas Oportunidades” não se traduz em mais pessoas a procurar o ensino superior. Não vimos aumento devido aos que certificaram o secundário e não veremos, também, aumento nos próximos anos, devido aos que certificaram o básico e que teriam, posteriormente, completado o secundário.
  • não havendo alteração de dificuldade dos exames/programas, teremos uma estabilização do número de candidatos em cerca de 45.000/ano até 2017 (cerca de 40% da população que acaba o 12º ano), por ventura ainda um ligeiro decréscimo para o ano. Esta minha previsão significa que o único factor de aumento da proporção dos alunos que prosseguem estudos superiores tem sido exclusivamente a dificuldade dos exames. Em particular, não vejo influência da conjuntura económico-financeira, mas o modelo é validado com os dados relativos a 2000–2012 altura em que, verdadeiramente, só nos últimos 2–3 anos as coisas se tornaram realmente más. Há no entanto potencial para ficar pior, o que muito possivelmente faria diminuir o número de alunos que seguem para o ensino superior.
  • se o número de vagas continuar a variar da mesma forma e, novamente, o grau de dificuldade não variar, a disparidade entre a procura e a oferta vai continuar a aumentar. É possível que isso não se venha a ver, uma vez que já há notícias de congelamento de vagas.

Deixo aqui, ao teste do tempo, estas conclusões e gostaria de ouvir a opinião de quem estudas estas coisas e de quem possa estar envolvido na definição de vagas nos cursos superiores.


Adenda

No seguimento do comentário do Botinhas, fui à procura das médias dos exames de Português e Matemática A. Embora no caso do Português a correlação seja muito baixa (há um decréscimo das médias sobretudo nos dois últimos anos) no caso da Matemática, a correspondência é evidente:

Figura 4
Figura 5 – Actualização da Figura 4a) com os valores das médias da prova de Matemática (prova 435 antes de 2006 e prova 635 depois)

Conclusão? Mais uma vez, não se trata de um estudo exaustivo, nem com o rigor estatístico necessário, mas dá-me alguma confiança relativamente à conclusão que digo acima. Não estamos a aumentar a proporção de alunos que vão para o Ensino Superior, senão quando se altera no nível de dificuldade dos exames.

22 de agosto de 2012

2 de maio de 2012

Dois artigos relativamente recentes sobre prostituição revelaram-me o pouco que sabia sobre as principais questões que estão associadas a esta actividade. Nomeadamente no que diz respeito à prostituição no mundo ocidental.

Não sou dos tempos nem dos sítios em que «tornar-se homem» equivalia ao ritual de perder a virgindade com uma prostituta. Portanto o conhecimento que tenho é meramente literário e de filmes e séries de televisão ou ainda de notícias. E por conhecimento refiro-me aos pormenores básicos do fenómeno: quem são estas mulheres, quem são os clientes, porque, como e em que condições é que a prática da prostituição ocorre.

Estes dois artigos, um da Vanity Fair[1] e outro do New York Times[2] estão longe de serem estudos exaustivos. O primeiro fala sobre as tendências actuais da prostituição em Espanha e o segundo conta a história de exemplos de tráfico humano de adolescentes brancas na Nova Inglaterra (E.U.A.). Com eles fiquei a saber que pouco sabia do que se passa. Deixo aqui alguns excertos sobre os aspectos que mais me surpreenderam.

Família

A iniciação à prostituição, ou mais propriamente, a introdução nos círculos de tráfico de pessoas, tem raízes familiares. A servidão é deliberadamente causada pela família. Um exemplo acerca das mulheres estrangeiras que se prostituem em Espanha:

“Some of the women are sold into the business by their families, Mr. Cortes said. The police came across one case in which Colombian traffickers were paying one family $650 a month for their daughter. She managed to escape, he said. But when she contacted her family, they told her to go back or they would send her sister as a replacement.”[2]

E nos Estados Unidos:

“According to the U.S. Attorney’s Office, she had been sold to him, for $1,200, in a package deal with her best friend, Alicia. The vendor was Brian Forbes, a six-foot-five-inch, 40-year-old bodybuilder, whom local law enforcement understood to be employed in the bail-bond business.

In the fall of 2003, after turning 18, Gwen headed down to Hartford to visit her Aunt Lucy, her mother’s sister. Her aunt, in turn, introduced her niece to Brian Forbes. “She told me he was a really nice guy and stuff,” Gwen said.

(…) Gwen’s Aunt Lucy, of course, had set her up. Intra-familial recruiting of sex slaves is a common practice. Eva, a Norwich, Connecticut, girl, was forced by her mother-in-law—via starvation, drugs, and threats to her baby boys—into prostituting herself at Foxwoods and Mohegan Sun, the Connecticut casinos. Caroline, the former 4-H member, was taken to a brothel by her best friend’s mom and a pastor, the Reverend Henry L. Price. Gwen was especially easy prey for her aunt and Forbes because, before she had even left Vermont, she was hooked on heroin—a virtual epidemic nowadays in the New England and New York suburbs because of its current purity, potency, and cheapness.”[1]

Nem, mesmo os clientes se apercebem, na maior parte dos casos, do que se passa:

“Johns don’t understand what they’re contributing to. It never occurs to them that the woman who is smiling is being abused. They really don’t know what’s going on—and they don’t care.”[1]

Tráfico

Os exemplos acima parecem não ser excepções no panorama geral que indica que a maioria das mulheres que se prostituem não o fazem de livre vontade, mas são de facto vitimas de tráfico humano:

“There is little reliable data on the subject. The State Department’s 2010 report on trafficking said that 200,000 to 400,000 women worked in prostitution in Spain. The report said that 90 percent were trafficked.”[2]

E, dependendo dos locais, das leis e das condições sócio-económicas, as origens das mulheres pode ser muito variada:

“Thirty years ago, virtually all the prostitutes in Spain were Spanish. Now, almost none are. Advocates and police officials say that most of the women are controlled by illegal networks — they are modern-day slaves.”[2]

Falta de leis, ausência de resposta das autoridades

Em muitos casos, a falta de legislação adequada não permite lidar eficazmente com esta terrível combinação de tráfico de seres humanos com as redes de prostituição forçada:

“Fueling the boom in the sex industry in Spain are many factors, experts say, including porous borders in many parts of the world and lax laws. Until 2010, Spain did not even have a law that distinguished trafficking from illegal immigration”[2]

De facto, parece que nem as autoridades estão verdadeiramente ao corrente do que se passa:

“Until recently, for instance, the police in Barcelona did not even realize that Chinese mafias ran prostitution rings in the city. Then they began noticing more and more advertisements for Chinese, Japanese and Korean women — all of them, it turned out, Chinese — working in a network of about 30 brothels.”[2]

Alterações das atitudes

Outra questão importante é a alteração de atitudes – e por ventura padrões morais – das pessoas e do colectivo. Em particular a sexualização e consequente dessensibilização da sociedade:

“«The young used to go to discos,» said Francina Vila i Valls, Barcelona’s councilor for women and civil rights. «But now they go to brothels. It’s just another form of entertainment to them.»”[2]

"In the meantime, here in the U.S., hot-pink patent-leather stiletto crib shoes for baby girls, aged zero to six months, and Abercrombie & Fitch push-up padded bikinis for eight-year-olds have been all the rage in downward-deviant fashion, prostitution is a mainstay of Las Vegas’s economy, and Ice-T has produced a documentary on the life of Iceberg Slim, who, in his dotage, expressed remorse in Pimp for his wasted youth and his squandered fortune, but never for any of the girls he thrashed into red jelly with his homemade wire whip. Slim did speculate, however, that his cruelty toward women arose from his «unconscious hatred» for his mother. «It’s disgusting,» Natalie says. «The pimp is winning out.»”[1]

A vitalidade do negócio nota-se no aumento da publicidade aos serviços, mas fiquei surpreendido pelo à-vontade com que a prostituição é publicitada:

“The visibility of prostitution has become an issue here. A battle has raged over whether to allow ads for prostitution in newspapers, but they remain legal and appear even in the most reputable papers.”[2]

“Scates had noticed that the X-rated classifieds in the back of The Hartford Advocate had dwindled slightly, she hoped as a result of the task force’s valiant efforts. But she quickly caught on that a new, tech-savvy generation of pimps was filling the void by merchandising girls on Craigslist (in September 2010 the site succumbed to pressure to remove its adult-services section, which was expected to earn $44 million last year); on Backpage.com (owned by Village Voice Media); or via theeroticreview.com. Females on theeroticreview.com are rated for consumers—ostensibly by “hobbyists” but more often than not, victims say, by their ever shrewder pimps.”[1]

Que políticas públicas?

Porém, o que mais me terá surpreendido foi a conclusão indicada sobre as atitudes a tomar por parte dos órgãos legislativos. Paralelamente ao que tenho ouvido acerca das drogas, em que a despenalização dos comportamentos menos graves parece ter tido um efeito positivo, pensei que a liberalização da prostituição tivesse também consequências benéficas para quem se prostitui. No entanto, o relaxamento ou mesmo a ausência de proibição parece configurar a situação óptima para a proliferação de redes de tráfico de seres humanos, que acabam sempre por fazer da prostituição servidão:

That, in fact, is exactly the theory behind the Sex Purchase Law in Sweden. As of 1999, johns are punished by up to six months’ imprisonment, traffickers are locked up for 2-to–10-year hits, and prostitutes are offered medical care, education, and housing. As a result, prostitution has been reduced by 50 percent in Sweden, and the purchase of sex, which is understood to be a human-rights abuse, has decreased by 75 percent. In contrast, Europol studies show, nations such as Holland and Australia, where prostitution has been legalized, have become lucrative, low-risk magnets for international sex-slave drivers and organized crime. On the subject of Sweden’s demand-side laws—which Finland and Norway have now adopted, and Denmark is currently considering—Sweden’s minister for justice, Beatrice Ask, notes, “If we could get rid of slavery, then I think this type of buying human beings is something that we have to fight too.”[1]

Recomendo a leitura de ambas as reportagens.

  1. Sex Trafficking of Americans: The Girls Next Door, Vanity Fair  ↩

  2. Young Men Flocking to Spain for Sex With Trafficked Prostitutes, New York Times  ↩

 

2 de maio de 2012

15 de março de 2012

Há uns meses, o António publicou uma crónica sobre a distância. A distância e a amizade. Quando cheguei aos EUA pensei no mesmo. Os nossos amigos são aqueles com quem partilhamos a vida, que sentido faz estarmos longe e falarmos umas poucas vezes por telefone ou encontrarmo-nos uma vez por ano, inevitavelmente para fazer o resumo do ano que passou? [1]

Mas sair de casa faz parte do acto de crescer. Fatalmente, sair do país é também crescer, é sair de outra casa. Ser turista não é exactamente a mesma coisa e claro que é impossível vivermos em todos os países do mundo, mas mesmo uma breve experiência de vivência é, na minha humilde opinião, recomendável.

Mas e as amizades? Com o Onésimo T. A. aprendi uma das coisas que marcam as amizades portuguesas: demoram tempo a criar. Não porque temos problemas de intimidade e precisamos de tempo para deixar alguém aproximar-se de nós – isso acontece mais nos países anglo-saxónicos. Mas porque as nossas amizades compreendem os dias gastos junto dos outros. Não são compartimentalizadas: o jantar, o jogo de futebol, o cinema, as férias. Fazemos muitas coisas juntos e vêm muito de trás. Partilhamos muita coisa. E essas amizades precisam desse tempo, porque as caracteriza, inevitavelmente.

Ao sair apercebi-me que há outras amizades. Não necessariamente melhores, ou piores. Outro tipo de amizades. Amizades que podem ser suspensas, no espaço e no tempo. E admito que hoje não passo sem elas. Mesmo que não estejam aqui, agora. No entanto, foi preciso estar longe para as adquirir.

Acho que não me desprendo das raízes, cresci assim e não consigo mudar por completo. Mas fez-me bem estar longe para poder vir a estar perto.

  1. Muita coisa se poderia dizer acerca do acto de resumir aos outros aquilo que se passou nos últimos tempos. Fico-me pela paráfrase de algo atribuído a Daniel Innerarity: se estiveste fora uns dias, então aconteceu imensa coisa, se estiveste fora uns anos, então está tudo na mesma.

15 de março de 2012

5 de fevereiro de 2012

Atentem:

O vídeo acima tem quase dez milhões de visualizações. E que viram os milhares de pessoas no vídeo? Um senhor a dançar em frente aos netos. De forma bastante animada e, arriscaria, mesmo cómica. Que vi eu? Uma oportunidade de negócio.

A ideia já andava a ser ruminada há uns tempos e este vídeo veio dar-me a confirmação de que necessitava: há mercado, há procura. Vejam-no novamente e observem atentamente a parede por detrás do bailadeiro. Não há prateleira, mesa ou electrodoméstico que não tenha um… napron. Excepto a televisão LCD. Exacto. Aí está o problema, o nicho de mercado. Naprons para ecrãs planos. E o negócio não se acaba nos televisores: há um potencial enorme entre os monitores de computador, molduras digitais, ou até tablets e smartphones.

Infelizmente, não sou o único a pensar neste assunto. Um artista do Porto já usa um napron sobre o seu Korg MS-20. Mas, convenhamos, nem todos têm um sintetizador em casa. Televisor? Em toda a parte! E já não é fácil arranjá-los com tubos de raios catódicos.

Assim, deixo-vos aqui com o primeiro protótipo. Agora é avançar para o Kickstarter!

5 de fevereiro de 2012

19 de janeiro de 2012

Chegou-me às mãos, a seguinte história, dum tempo em que se ia para conferências científicas de smoking, sem projectores, nem powerpoints. Mas não era a falta de tecnologia que as tornava menos bombásticas. Sem mais demoras, “How (not) to communicate new scientific informationa memoir of the famous brindley lecture”:

In 1983, at the Urodynamics Society meeting in Las Vegas, Professor G.S. Brindley first announced to the world his experiments on self-injection with papaverine to induce a penile erection. This was the first time that an effective medical therapy for erectile dysfunction (ED) was described, and was a historic development in the management of ED. The way in which this information was first reported was completely unique and memorable, and provides an interesting context for the development of therapies for ED. I was present at this extraordinary lecture, and the details are worth sharing. Although this lecture was given more than 20 years ago, the details have remained fresh in my mind, for reasons which will become obvious.

The lecture, which had an innocuous title along the lines of ‘Vaso-active therapy for erectile dysfunction’ was scheduled as an evening lecture of the Urodynamics Society in the hotel in which I was staying. I was a senior resident, hungry for knowledge, and at the AUA I went to every lecture that I could. About 15 min before the lecture I took the elevator to go to the lecture hall, and on the next floor a slight, elderly looking and bespectacled man, wearing a blue track suit and carrying a small cigar box, entered the elevator. He appeared quite nervous, and shuffled back and forth. He opened the box in the elevator, which became crowded, and started examining and ruffling through the 35 mm slides of micrographs inside. I was standing next to him, and could vaguely make out the content of the slides, which appeared to be a series of pictures of penile erection. I concluded that this was, indeed, Professor Brindley on his way to the lecture, although his dress seemed inappropriately casual.

The lecture was given in a large auditorium, with a raised lectern separated by some stairs from the seats. This was an evening programme, between the daytime sessions and an evening reception. It was relatively poorly attended, perhaps 80 people in all. Most attendees came with their partners, clearly on the way to the reception. I was sitting in the third row, and in front of me were about seven middle-aged male urologists, and their partners in ‘full evening regalia’.

Professor Brindley, still in his blue track suit, was introduced as a psychiatrist with broad research interests. He began his lecture without aplomb. He had, he indicated, hypothesized that injection with vasoactive agents into the corporal bodies of the penis might induce an erection. Lacking ready access to an appropriate animal model, and cognisant of the long medical tradition of using oneself as a research subject, he began a series of experiments on self-injection of his penis with various vasoactive agents, including papaverine, phentolamine, and several others. (While this is now commonplace, at the time it was unheard of). His slide-based talk consisted of a large series of photographs of his penis in various states of tumescence after injection with a variety of doses of phentolamine and papaverine. After viewing about 30 of these slides, there was no doubt in my mind that, at least in Professor Brindley’s case, the therapy was effective. Of course, one could not exclude the possibility that erotic stimulation had played a role in acquiring these erections, and Professor Brindley acknowledged this.

The Professor wanted to make his case in the most convincing style possible. He indicated that, in his view, no normal person would find the experience of giving a lecture to a large audience to be erotically stimulating or erection-inducing. He had, he said, therefore injected himself with papaverine in his hotel room before coming to give the lecture, and deliberately wore loose clothes (hence the track-suit) to make it possible to exhibit the results. He stepped around the podium, and pulled his loose pants tight up around his genitalia in an attempt to demonstrate his erection.

At this point, I, and I believe everyone else in the room, was agog. I could scarcely believe what was occurring on stage. But Prof. Brindley was not satisfied. He looked down sceptically at his pants and shook his head with dismay. ‘Unfortunately, this doesn’t display the results clearly enough’. He then summarily dropped his trousers and shorts, revealing a long, thin, clearly erect penis. There was not a sound in the room. Everyone had stopped breathing.

But the mere public showing of his erection from the podium was not sufficient. He paused, and seemed to ponder his next move. The sense of drama in the room was palpable. He then said, with gravity, ‘I’d like to give some of the audience the opportunity to confirm the degree of tumescence’. With his pants at his knees, he waddled down the stairs, approaching (to their horror) the urologists and their partners in the front row. As he approached them, erection waggling before him, four or five of the women in the front rows threw their arms up in the air, seemingly in unison, and screamed loudly. The scientific merits of the presentation had been overwhelmed, for them, by the novel and unusual mode of demonstrating the results.

The screams seemed to shock Professor Brindley, who rapidly pulled up his trousers, returned to the podium, and terminated the lecture. The crowd dispersed in a state of flabbergasted disarray. I imagine that the urologists who attended with their partners had a lot of explaining to do. The rest is history. Prof Brindley’s single-author paper reporting these results was published about 6 months later.

Professor Brindley made a huge contribution to the management of ED, for which he deserves tremendous gratitude. He was a true lateral thinker, and applied his unique mind to a variety of problems in medicine. These include over 100 publications that focus on the areas of visual neurophysiology and several other aspects of neurophysiology, including ejaculation and female sexual dysfunction. He also published one remarkable paper studying the effect of 17 different drugs used intracorporally to induce erection. Seven of these (phenoxybenzamine, phentolamine, thymoxamine, imipramine, verapamil, papaverine, naftidrofury) induced an erection. It is not clear to what degree Brindley’s own penis served as the test subject for these studies.

This lecture was unique, dramatic, paradigm-shifting, and unexpected. It is difficult to imagine that a similar scenario could ever take place again. Professor Brindley belongs in the pantheon of famous British eccentrics who have made spectacular contributions to science. The story of his lecture deserves a place in the urological history books.

Laurence Klotz
BJU International – Volume 96, Issue 7, pages 956–957, November 2005

19 de janeiro de 2012

15 de dezembro de 2011

No A Douta Ignorância, o Rui Passos Rocha interroga-se sobre os hábitos alimentares e de restauração dos americanos.

Vivendo nos Estados Unidos, acho que posso dar uma ou outra contribuição, de experiência própria. Refiro que vivo em Boston, num sítio onde há poucos gordos e a consciência é grande em tudo o que se refere a bio, orgânico, saudável, etc.

A verdade é que a fast food não é mais cara que uma refeição saudável. Nominalmente, como indica a infografia do New York Times, sim, é, mas a alternativa implica cozinhar em casa e isso tem um investimento temporal significativo (além do cozinhar, há ainda que fazer a limpeza e antes disso, ir comprar tudo) e muitos americanos consideram esse investimento como elevado:

The core problem is that cooking is defined as work, and fast food is both a pleasure and a crutch.
NY Times

Depois há ainda o que eu chamo a infantilização da comida. A grande maioria dos americanos, mesmo que compre os ingredientes e cozinhe em casa, não vê espinhas no peixe, cabeças no camarão, ossos na carne, a não ser nos T-bones e nas “Chicken Wings” (as verdadeiras, porque há algumas que nem sequer ossos têm). As uvas não têm grainhas e as melancias não têm caroços. E depois há a adocificação dos pratos: honey glazed, sweet and sour, caramelized. Tudo estratégias que, directa ou indirectamente, tornam este tipo de comida mais apetecível e mais fácil de agradar. Isto sem falar das promoções, cupões e outras técnicas de marketing.

This addiction to processed food is the result of decades of vision and hard work by the industry.

A seguir, o Rui Passos Rocha questiona a possibilidade de se mudar os hábitos das pessoas:

Uma alternativa a isso será mudar todo o sistema económico de modo a que todos trabalhem menos horas e haja tempo para refeições prolongadas

Isso é o equivalente ao pedir que se “mudem as mentalidades”, porque, de facto, o próprio conceito de comer é muito diferente do português. Comer é muito menos um acto social – ao almoço não é mais que uma necessidade fisiológica – e desde pequenas que as crianças são ensinadas assim. Isto agrava-se em ambientes de trabalho em que as pessoas comem em frente ao computador, ou pelo facto de muitos jovens saírem de casa muito cedo e cedo deixarem de comer comida normal.

Finalmente apresenta a ideia de «tornar rápida a slowfood»:

Uma ideia, que nunca vi aplicada (o que significa uma de duas coisas: que de tal modo brilhante que tive uma ideia absolutamente nova; ou que sou um idiota e isto seria a ruína para qualquer negócio), seria a de tornar rápida a slow food: um restaurante permitiria a reserva online de lugares, com pré-pagamento, e essa reserva seria tão mais cara por quanto mais tempo o cliente o lugar. Seria como no pré-pagamento de assentos de autocarro: quem marca sabe de antemão que lugares estão disponíveis e a que hora.

Como a comida foi reservada, à hora determinada pelo cliente o almoço/jantar está pronto e ele tem os 15, 30 ou 45 minutos que reservou. As refeições seriam saudáveis e os pedidos personalizáveis pela internet. E claro, os preços seriam ligeiramente mais baixos do que os da fast food. Tenho apenas sérias reservas quanto à marcação do tempo: se um cliente excedesse o seu tempo e outro tivesse direito a ocupar-lhe o lugar, ele teria de ser obrigado a terminar a refeição a meio…

Embora não seja o mais comum, existem muitos sítios que já fazem reservas dessa maneira (o online é banal, no que diz respeito aos lugares, não tanto quanto ao pedido em si). Lembro que é raro que um restaurante deixe ocupar uma mesa reservada antes de todos os comensais chegarem ao restaurante. Alguns têm até limites de tempo, mas são mais prolongados e geralmente apenas para evitar que os clientes passem a tarde na varanda, ou algo de semelhante.

No entanto, relativamente ao sentar, penso que a questão é a seguinte: a partir do momento em que alguém se senta e é servido, passa a pagar gorjeta. Aí incluem-se imediatamente 15% a 20% a mais para o criado. Na verdade, não há o hábito de se sentar à mesa ao almoço, a não ser em restaurantes de baixo custo, em que não há criados, nem mesas marcadas, nem reservas.

Mesmo sem a gorjeta, um restaurante que cozinhe comida “normal”, terá ainda de incluir o custo de produção, confecção e logística, que não estão incluídos nos preços da mera compra de ingredientes mostrado na infografia do NY Times.

But I sense a significant accounting error: They omit the cost of labor for the home-cooked meal and include it in the fast-food alternative, which comes begging to be inhaled immediately, no postprandial dish-doing necessary.
Mother Jones

Ir comprar produtos ao mercado tem um custo, que é minimizado na produção em massa e por toda a economia de escala por detrás das grandes cadeias. Embora não tenha dados concretos, imagino que essa larga escala não é compatível com comida de qualidade. E penso que tudo acaba por passar por aí: aliando o preço baixo à falta de disponibilidade para cozinhar, decréscimo da sofistição alimentar e diminuição do aspecto social do acto, para um americano, a fast food é a comida mais barata.

15 de dezembro de 2011

10 de dezembro de 2011

Desde que vim para os EUA que deixei de ter televisão. No primeiro ano, tecnicamente havia uma televisão no dormitório, mas é impossível de se ver qualquer coisa aqui, devido à publicidade que é excessiva.

Talvez a única coisa que me faça falta, do hábito de deixa ver o que está a dar, são os documentários, que passei a ver muito menos. Mas falaram-me do Frozen Planet da BBC. E vale muito a pena.

A voz de David Attenborough leva-me ao tempo em que aos domingos à tarde não falhávamos um programa sobre a vida selvagem. Mas é um documentário do nosso tempo: a tecnologia, a filmografia e, muito provavelmente, os muitos recursos da BBC trazem ao ecrã uma fabulosa série de imagens e histórias acerca das regiões polares do nosso planeta. A perícia e a paciência das filmagens é por demais visível e verdadeiramente comovente. E no fim de cada episódio, a Freeze Frame, uma secção dedicada à forma como foram feitas as filmagens e às histórias dos muitos operadores de câmara, produtores e cientistas envolvidos na realização da série documental.

Infelizmente ainda só está acessível via Inglaterra, mas para quem não conseguir, há uma página de clips aqui. Por agora, um pequeno episódio:

10 de dezembro de 2011

22 de novembro de 2011

Em finais de 2009 envolvi-me com o gang do É Tudo Gente Morta. A experiência foi interessante: o meu primeiro blog colectivo, a arquitectura duma casa usada e estimada. Embora o mais novo, tipo mascote, sempre fui bem tratado e ganhei muito. E, ao contrário do sucateiro Godinho, não recebi robalos, mas dois pregados grelhados à beira-mar, um deles sob Canadairs atarefados. Mas como tudo o que é bom sempre se acaba, apercebi-me do que tinha ficado maltratado: este blog.

Depois do fim do ETGM não quis regressar sem limpar a casa. A coisa levou tempo, as teias de aranha eram muitas, mas cá está, de cara lavada. Sim, os blogs já não são o que eram, e os poucos leitores que tinha não virão. Ainda assim, gosto deste cantinho. Voltei.

22 de novembro de 2011

25 de setembro de 2010

Anteontem o nosso Primeiro-Ministro veio aos Estados Unidos dar um seminário à margem do mestrado que Manuel Pinho lecciona na Universidade de Columbia, NY. Não quero fazer nenhum grande debate sobre a política, os políticos ou as energias renováveis. Venho só falar dos números. De um em particular, que o PM aventou e que os media papaguearam sem nenhum enquadramento.

Sócrates anunciou que o investimento nas renováveis permite poupar, por ano, 100 milhões de euros em importações de petróleo, notícia que foi amplamente divulgada.

Não cabe aos noticiários fazerem crítica, mas cabe-lhes a eles, isso sim, ajudar os leitores a perceberem o que estão a ler. Confesso que não lido com montantes dessa ordem, mas 100 milhões de euros não me pareceram muito… Fui ver o que dava para comprar com esse dinheiro: a terceira travessia do Tejo custaria 2.000 milhões de euros, portanto, nada de pontes no Tejo. Um TGV para Espanha, custa ao estado (que só paga 42% do total) 5.940 milhões de euros, a preços de 2009, nada de comboios. Um novo aeroporto são só 4.900 milhões de euros; também não dá, embora segundo os senhores do JN no artigo referenciado, a terceira travessia é uma pechincha, só 145 milhões, mas prefiro confiar no valor anterior, que vem do próprio governo e foi escrito por extenso.

Certo, dirão, mas isso são investimentos a muitos anos, para durarem uns, vá lá, cinquenta anos. Logo, 50 x 100M€ = 5.000 milhões de euros! É comparável… a poupança no petróleo dá para um daqueles investimentos! Afinal não é assim tão pouco! Vejamos só um último valor, antes de largarmos o assunto… Que significam 100 milhões de euros em poupança petróleo, no panorama total das coisas?

Ora bem, em 2009, o custo médio do barril de Brent, foi de $62.7/barril. A taxa de conversão média foi de 1.39, logo o preço médio por barril dá €45. Agora o consumo: segundo o WolframAlpha, a estimativa do consumo de petróleo para 2009 foi de 272.181 barris por dia. Logo, num ano, gastou-se €4.470.572.925, i.e, cerca de 4.500 milhões de euros. O que se poupa é 2.2% do total do consumo anual.

Claramente, um título que dissesse 2.2% era menos chamativo. Sei mais informação 2.2% por ano não parece ser nada de milagroso. Contando com o restante das importações energéticas, em 2008, o saldo da balança era de -8.000 milhões de euros, logo a percentagem é menor considerando toda a energia que importamos. Confesso, no entanto, não sei o investimento que foi necessário para garantir essa poupança de 100 milhões de euros anuais, portanto esses 2.2% até podem ser um bom negócio. Estas minhas contas todas, acabaram por não dizer o fundamental: é ou não bom o negócio que está a ser feito. Não tenho os dados para dizer se sim, senão, mas a questão que quis deixar aqui foi a de que os números só por si dizem pouco, há que os enquadrar (que é diferente de massajar) e os jornais deviam-no fazer decentemente.

25 de setembro de 2010

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