13 de outubro de 2003
Nova Iorque – Segunda Parte
Manhattan é uma ilha com uma forma aproximadamente rectangular de 12 km x 5 km.. À parte da baixa, é uma cidade topográficamente moderna: a todo o comprido há as avenidas (10) que são atravessadas, perpendicularmente, pelas ruas (mais de 100). As localizações são dadas pelos cruzamentos das ruas com as avenidas. Apenas uma rua sinuosa, em forma de S, quebra a simetria da organização ordeira das vias: é a conhecida Broadway. Geralmente este nome é logo associado aos teatros e musicais, mas a zona onde se encontram estas casas de espectáculos é apenas uma pequena porção desta grande avenida, na altura em que se cruza com a 6ª avenida, na famosa Times Square. Na baixa, já podemos encontrar ruas curvas, tão típicas na Europa, quanto ausentes nas planificações modernas americanas.
foto de David F. Gallagher
O metro é sujo. Antigo. Assustador. Mas por alguma razão sentia-me bem no seu interior, como que nas veias duma amada, na força viva de um animal. O metro está a tão pouca profundidade que a rua treme sempre que as composições passam por baixo de nós, que podemos ver através das grades que há nas ruas. É nas ruas que também se vêm as típicas chaminés de vapor. É na rua que se vêm os Lincolns. Na rua não se vêm carros estacionados. É só um fluxo, constante,
semi-ordeiro de carros. As limousines, os carros estranhos, os táxis – como nos filmes. É nas ruas que se encontra uma parte significativa da essência desta cidade. A mistura de pessoas edifícios é inexplicável. Os prédios lançam as suas sombras pelas ruas, mas dão ao sol os seus vidros para ele poder reflectir, como num cristal, uma infinidade de raios de luz. As pessoas numa forma semi-mecanizada, semi-humana deslocam-se de um lado para o outro, como formigas, numa procura de riqueza pessoal, mas (in)conscientemente comportando-se como seres simbióticos que fazem avançar, no plural, uma estrutura, uma sociedade. A comunhão, por vezes impura, é inegável e as pessoas relacionam-se de uma forma que eu nunca vi. Nova Iorque é a cidade da 5ª Avenida, da tecnologia, da novidade, do novo, do mais, mas também é uma cidade onde ainda há lojas (só) de chapéus, de barbeiros nas ruas mais movimentadas, de mercearias e délis. Para mim, a cidade é inexplicável e o turbilhão de palavras que por mim saiem só revelam a mistura de sentimentos que duas parcas semanas marcaram.
foto de David F. Gallagher
Eu ainda vi o tapete de Miró, no átrio do World Trade Center. E depois voltei à cidade. Tinha de ser. Porque sim. Porque foi a única cidade onde vi um tipo de meia de nilon na cabeça e t-shirt de manga cava branca a admirar um quadro de Picasso; porque foi a única cidade onde uma pessoa totalmente estranha me ofereceu, no metro, um guia com as actividades culturais mais recentes; porque é a única cidade em que italianos, russos, ucranianos, israelitas, franceses, ingleses, portugueses, chineses… vivem em conjunto e choram os mortos comuns; porque é a única cidade onde vi um museu que sempre esteve pintado de branco, todo pintado de preto; porque é a única cidade onde vi uma missa às nove da manhã cheia de juventude. Mas também é verdade que não conheço o mundo todo.
(continua)