31 de janeiro de 2006
Não é que as coisas lá em casa estivessem mal. Não, pelo contrário; tínhamos encontrado um equilíbrio bastante saudável e agradável. Gostávamos um do outro e as palavras que a pequena Elsa timidamente libertava não só nos aproximavam, como nos davam uma alegria difícil de explicar. Não sei porque me fui lembrar de ti. Certamente não foste a mulher mais culta que eu conheci. Tinhas um feitio complicado, manias difíceis de compreender e com as quais era difícil conviver. Não eras sequer tremendamente bonita. Mas eras arrebatadora. Quando fomos viver juntos tu e eu sabíamos que não era para sempre, nem sequer por muito tempo. Estávamos determinados a aproveitar enquanto durasse. Lembro-me agora do dia em que preparámos aquele pequeno-almoço juntos, que se prolongou saborosamente até ao almoço. Tinha ido bem cedo de manhã comprar ingredientes deliciosos, iguarias; tu na cama. O sol entrava pelos vidrinhos da janela de madeira da cozinha e dava-lhe um aspecto asséptico e brilhante, mas ainda assim reconfortante. Tudo, mas mesmo, tudo foi perfeito. Do resultado da nossa expedição gastronómica a cada troca de olhares, tudo foi perfeito. Não sei sequer como o descrever; a imagem melhor talvez seja a de ti, a entrares descalça na cozinha, pisando os gelados azulejos brancos e a recostares-te ao balcão de madeira, com o roupão turco branco, que te ficava grande, mas que te envolvia tão delicadamente, quanto os raios de sol que entravam pela janela. Sei que não fui o único que me deslumbrei por ti. Mas sei que fui o mais importante para ti. Não por capricho de vanglória vã, mas porque ouvi o amo-te que inadvertidamente deixaste escapar, quando pegaste na minha mão e olhaste para a oliveira, que estava lá fora, metálica, ao sol, do outro lado da janela. Foi baixinho. Mas ouvi. Não tinhas o direito de morrer. Mesmo que já soubéssemos que não iríamos viver juntos.