3 de agosto de 2008
Há pequenas coisas, aqui, de que gosto muito, como do copo de água fresquinha sempre na mesa, de que falou o Pedro, aqui. Mas há outras que são verdadeiramente irritantes. Lembrei-me duma delas depois de ler este post. Aqui o caso não é acharem que o cliente é ladrão, mas sim atrasado mental.
A situação mais comum prende-se com a carne mal-passada nos restaurantes. Eu, que salvo raras excepções acho que carne bem-passada é um atentado ao animal sacrificado, sempre que como um bife, peço que ele venha muito mal passado. Estou consciente dos riscos que existem e, caso não estivesse, pelo menos aqui no estado do Massachusetts, não há ementa que não avise que comer carne ou peixe crus ou mal-passados é perigoso e que o comensal incorre no risco de contrair doenças. Assim avisam os clientes e livram-se de potenciais processos motivados por gastroenterites e maleitas afins.
Assim, sempre que peço o bife, peço-o muito mal passada. Na grande maioria dos casos não me livro dum esgar desdenho-enojado enquanto assentam o pedido. Geralmente o bife vem, para os meus padrões, médio. Em alguns restaurantes que não estranham a prática, o bife vem quase cru. O problema é que à partida nunca sabemos que tipo de restaurante é e, geralmente, a maioria é dos que não gosta de servir carne mal-passada. Ainda assim, penso que o risco vale a pena.
No entanto, o olhar sobranceiro não é o pior. Em alguns casos, os empregados decidem tratar os clientes como mentecaptos e embarcam na filosofia do no fundo, no fundo, o cliente não quer o que está a pedir e eu tenho a obrigação moral de lhe fornecer o que é melhor para ele, que realmente, se ele soubesse, era aquilo que iria pedir. Geralmente a reacção é motivada por avanços anti-establishment, mas por vezes é genuinamente fruto duma qualquer necessidade de afirmação moral e paternalista.
Ora, há dias, num dos estabelecimentos da mui franchisada Subway, pedi uma footlong, entre cujos ingredientes se contavam pedaços de galinha. A fila era longa, portanto quando fiz o pedido, já tinha esperado um bom pedaço. Assim, para poupar mais espera e como costumam tostar um pouco a sanduíche para derreter o queijo, pedi para saltar o passo em que a senhora põe a galinha no microondas antes de a enfiar no pão. Há que dizer que a galinha vem do frigorífico, é verdade, mas já pré-processada e portanto não está crua, ou seja, o microondas não cozinha nada, só aquece. Além disso, tenho alguns gostos culinários pouco ortodoxos, em que um pedaço de carne fria no meio de pão quente é algo que até posso achar piada.
No momento em que fiz aquele pedido à senhora, como se diz por estes lados all hell broke loose. Começou com o já referido esgar desdenho-enojado seguido, de, “mas, mas não quer que aqueça?” Eu reafirmei as minhas intenções. Nisto a técnica de processamento de sanduíches começou a conversar com os demais colegas, em tom baixo, mas a olhar para mim – só faltou apontar. Muito burburinho, trechos de conversa que incluiam “ele não quer que aqueça“, “frio“, “cru“. Eu lá estava, como ave-rara, a ser fulminado pelos olhares dos empregados. Lá congeminaram uma estratégia destinada a minimizar a inépcia que tenho para controlar a minha própria vida. Assim, quando a sanduíche foi a tostar, prolongaram o tempo que a dita passou no forno. Quando me chegou às mãos, vinha mais escura e tostada que o normal – até nem estava nada mal, – mas penso que o mais importante para eles foi terem completado aquela missão com a sensação de que, talvez, por sorte, até tenham conseguido evitar que a alma daquele pobre pecador tenha caído nas garras dos demónios da carne crua.