21 de novembro de 2008
Ah e tal a avaliação é preciso. É o que toda a gente diz. Mas isso é quase como dizer que o ar é de todos.
Não gosto da senhora ministra da educação. E por várias razões: primeiro, não põe fora do ministério (como nenhum dos vinte e tal que a antecederam) os pseudo-intelecto-pedagogos que destroem tudo, mas sempre com uns textos muito bonitos e cheios de palavras e expressões como “composições matemáticas”; segundo, tenta pôr os professores a fazer de tudo menos o que interessa, que é dar aulas e bem; terceiro e mais importante, porque pretende reformar tudo menos abordar aquilo que interessa que é ensinar coisas relevantes às criancinhas – coisas relevantes sendo instruí-las com os conteúdos, factos, ideias e pensamentos, obrigá-las a pensar e por fim dar-lhe a primeira experiência de respeito, responsabilidade e tudo o mais que faz parte do funcionamento duma sociedade decente bem engrenada (menos a boa educação, que isso faz tem de se trazer fundamentalmente de casa).
Não é só do ministério que vêm pérolas, veja-se esta:
O deputado do CDS-PP João Paulo Carvalho pediu à maioria socialista que comentasse “o caso do conselho pedagógico de uma escola de Barcelos que decidiu que os alunos podem passar de ano mesmo com cinco negativas”.
Na resposta, o deputado do PS Bravo Nico (…) deu a entender estar de acordo com a decisão do conselho pedagógico, argumentando que “é sempre muito mais exigente e dá sempre muito mais trabalho às escolas e aos professores integrarem os alunos com percursos de aprendizagem difíceis. É sempre mais fácil colocá-los fora da escola. A nossa resposta é fazer com que as crianças fiquem dentro da escola. O direito à educação é um direito básico”
in Público
Mas a ministra e cia. não desistem e contra-atacam. Aqui fica um exemplo, salientado por Maria Filomena Mónica, um inquérito aos professores tão interessante e relevante como muita da anterior burocratreta:
Não contente com os anteriores disparates (ver as grelhas de avaliação a serem utilizadas), a Direcção-Geral pretende que os professores-avaliadores respondam a perguntas reveladoras da sua atitude quanto a vários temas: um dos quesitos incide sobre a sua predisposição para vestir roupas “vistosas, boémias ou que chamassem a atenção de qualquer forma”.
in Meia-Hora, via O Carmo e a Trindade
Desde há muitos ministérios/ministros a esta parte que o que interessa são os números. Pura e simplesmente. Mais nada. E agora? Com tudo isto a senhora ministra ganhou uma guerra que provavelmente não irá ganhar. A grande questão é se alguém irá ganhar alguma coisa com esta embrulhada.
Tendo dito o que penso da senhora ministra e demais indivíduos que a orbitam, passemos ao outro lado da barricada. Sinceramente, não sei o que é o processo da avaliação que está a ser implementado, mas lembro-me de ver a minha mãe candidatar-se a professora titular e em todo o processo, quase que o que menos interessava era saber se o professor verdadeiramente ensinava ou não. Segundo a minha mãe, após a a comoção que houve logo no início, aquando da implementação da avaliação, e com a pressão inicial dos professores, ao que parece o ministério deu uma certa liberdade às escolas para aligeirarem e moldarem todo o processo. No entanto, muitos terão usado toda a grandeza que aquilo lhes conferia para fazerem jogozinhos de poder, para complicar a vida uns aos outros. Não sei em que medida isto aconteceu em todo o lado, se foi significativo ou não, nem desculpa a ministra dos seus pecados, mas leva-nos a outra questão: os portuguesinhos.
No blog Abrupto, o leitor e autor do livro “Ensino Básico vai de mal a pior – uma abordagem pedagógica e política” Carlos Paiva descreve o fracasso das suas tentativas de organizar sessões de divulgação do livro em auditórios municipais e de Escolas Públicas, estes últimos alugados. Algumas das reacções:
Escola Secundária da Senhora da Hora – uma professora obtém autorização, de um elemento do Conselho Executivo, para colocar na Sala dos Professores umas pequenas tiras de papel anunciando a sessão de lançamento do livro. Nelas figuram o título e um extracto do que vem na contracapa. Alguns minutos depois o Vice-presidente desse mesmo órgão que tinha autorizado a colocação da informação vai ao encontro da professora dizendo que ela não tinha autorização para colocar «aquilo» na escola, nem sequer para estar naquele espaço e que estava a invadir as instalações. Ordenou que se retirasse, imediatamente.
Escola Secundária do Padrão da Légua – O Conselho Executivo não autoriza o aluguer das instalações para a sessão de lançamento do livro. É claramente afirmado – verbalmente – que a razão da não autorização está no título e no que se afirma na contracapa do livro.
Biblioteca Municipal Florbela Espanca, Matosinhos …informam-me que é possível utilizar o Auditório, uma vez que, para a data prevista para a sessão de lançamento do livro (25 de Outubro), ele se encontra desocupado, assim como para todas as Sextas-Feiras à noite, Sábados e Domingos de todo o mês de Outubro. Preenchi, de imediato, uma «ficha de reserva do auditório» e um «termo de responsabilidade» pela utilização da sala. (…) Finalmente, depois de muito pressionar obtenho resposta: foi marcada, por ordem superior, uma actividade exactamente para o dia e hora que eu pretendia, o que, atendendo ao mapa de disponibilidades do auditório, não deixa de ser uma estranha, mas possível coincidência. Verbalmente é-me sugerido que apresente o livro para ser examinado. Penso, entristecido, nos exames prévios da ditadura fascista. (…) A resposta nunca chegou: o Auditório permaneceu inutilizado (…).
Mais na página do Autor.
Mas as coisas são mais generalizadas; já em Março, nas vésperas de uma manifestação de professores, várias escolas foram visitadas pela PSP com o objectivo de recolher informação sobre a participação na manifestação. E agora, como me fez saber o João, a PSP resolveu, por ordens do Director-Nacional, deixar de revelar o número de participantes em manifestações por ser uma informação sem “nenhuma mais-valia”.
Este tipo de acções, como se vê, ocorre tanto por ordens de altos responsáveis, como por funcionários de menos importância. Por muitos tiques autoritários que a senhora Ministra, o Primeiro-Ministro ou o Governo tenham, e é inegável que os têm, o que é facto é que este tipo de situações não ocorrem sem a colaboração e o voluntarismo de muitas outras pessoas. Sinceramente não sei o que os motiva, pois não acredito que os tentáculos do governo, que ainda assim é democrático, alcancem tão longe. Não, acho que são resquícios de mentalidades de outras alturas, má formação, gente mesquinha. São os portuguesinhos. Gente perigosa. Gente nojenta. Mas não é a atirar ovos que se contraria, pelo contrário, desce-se tão abaixo. Estarão bem uns para os outros. Infelizmente o país é de muito mais gente.
ADENDA Esqueci-me de referir que aprecio muito a visão do sistema educativo e das alternativas defendidas por Paulo Rangel. Confesso que desde que assumiu a liderança do grupo parlamentar do PSD que não o ouvi referir-se a este assunto da forma clara como o fazia aos microfones do RCP.