13 de fevereiro de 2009

Da primeira vez foi pelo que lá estava escrito, a forma como achei que me estavam a enganar, e não tanto pelo conteúdo, mas agora é à crítica em si que me vou dirigir.
Desta feita, é Jorge Mourinha, também no Público. Cá vamos!

Uma fita menor de Danny Boyle, com o estilo vistoso e contemporâneo a disfarçar um melodrama Dickensiano bastante convencional.

A disfarçar? O que eu vi foi um melodrama Dickensiano mesmo. Dizer que não é nada de novo, é uma coisa, mas que se quer fazer passar por aquilo que não é, discordo totalmente.

Convirá desde logo desmontar duas “ideias feitas” que parecem seguir para todo o lado o novo filme de Danny Boyle, complementares e só aparentemente contraditórias: uma, que se trata de um filme “contaminado” pela energia fantasiosa do cinema de Bollywood, outra, que se trata de um objecto “realista” que olharia para a Índia contemporânea como a indústria do cinema local nunca o faz.

Não sei se desse lado do atlântico essas “ideias feitas” seguem o filme, mas aqui não vi nada disso. Fui ver um filme que se passa na Índia, com actores indianos realizado por um realizador inglês. Não estava à espera de nada de Bollywoodesco e a própria dança dos créditos é inesperada. Não é que seja grande conhecedor do cinema indiano, mas mal se começa a ver o filme de Boyle, não há ali nada que nos faça pensar que aquilo não é um filme ocidental.
O segundo ponto é o suposto “realismo”. Já Vasco Câmara implicava com o assunto. Eu disse e continuo a dizer: não sei se é real ou não, nunca fui à Índia. Da mesma forma que não sei se O Cidade de Deus é real, pois nunca fui a uma favela, nunca fui ao Brasil.

Ora, lá por Boyle contar uma história dos bairros de lata de Bombaim (…) isso não faz do filme realista.

E depois? O filme tem de ser realista? Sabemos que há miséria um pouco por todo o lado. Não terá a mesma a forma e o mesmo aspecto em todo o lado, mas há-a. Escolheram-na mostrar em Bombaim. Não faço ideia se é mesmo assim, mas e depois? O filme não é documental, o filme não tenta ser documental.

Antes pelo contrário: “Quem Quer Ser Bilionário?” é tão fantasista como um musical de Bollywood ou, mais ao caso, um dos velhos romances populares de Charles Dickens, aos quais vai buscar os truques todos do miserabilismo inspiracional, do triunfo da bondade e do espírito humano e do herói de coração puro que triunfa contra todas as adversidades, que alimentaram os melodramas de Hollywood durante décadas.

Mais uma vez… e depois? Novamente repito, se a crítica for de que o filme é uma reinterpretação e repetição do que já foi feito concordaria, mas a crítica não diz isso. Mourinha condena o recurso às técnicas já velhas por considerar que elas tornam o filme fantasista…

(…) [um] filme que evita o postal turístico do exotismo mas cai no seu exacto oposto, o postal do miserabilismo terceiro-mundista que pinta a Índia como país pobre e miserável onde o sistema de castas e a mobilidade social conspiram para manter toda a gente no seu lugar…

Aqui sim, estará a única coisa que posso considerar legítima, a exploração “pop” da miséria, como disse Câmara. Mas logo a dirige a crítica para o mesmo ponto, o da fantasia:

… provavelmente tão próximo (ou tão afastado) da realidade como o outro. É, aliás, por aí que (…) se revela ser tão fantasioso como o cinema de Bollywood (…).

A crítica continua e Mourinha diz que no entanto, “o problema essencial do filme não é, contudo, nada disto“. Ok, andámos a bater no filme por não ser realista, mas o problema não é esse… qual será então?

Não, o problema é que, para Boyle (…) esta história e estas personagens não são tão interessantes em si próprias como enquanto um pretexto para tentar agarrar em filme a vertigem e a velocidade de Bombaim, para tentar criar algo que reflicta a energia de uma cidade em constante movimento e construção (…) canibalizando ideias daqui e dali para criar um filme que é bem mais convencional do que o seu estilo vistoso e inteligente construção em “puzzle” sugere.

No fundo Boyle não arranja um tema interessante para rodar naquela cidade, que é dinâmica demais para ele. É isso? Ou tenta “armar-se aos cucos” ao criar um filme “em puzzle”? É isso que causa a raiva do crítico?
Mourinha segue afirmando que o sucesso da fita se deve ao “deslumbramento de uma Academia que simpatizou com o velho melodrama hollywoodiano escondido por trás da montagem acelerada e da fotografia saturada e que ainda acha que “isto” é cinema independente” (se fosse Sundance, mas a Academia…) e termina dizendo que esta é uma fita menor, comparada com “Trainspotting”, “28 Dias Depois”, o escandalosamente desconhecido “Sunshine”. Já agora, eu gostei imenso do Sunshine, acho que é bastante bom, mas para quem tem problemas com o realismo… levar bombas nucleares para reacender o Sol não é propriamente a temática mais palpável, mesmo na ficção científica!
A raiva… sim, falei em raiva do crítico, ou mesmo dos críticos. Eu sei que a crítica é opinião e todos temos direitos a más opiniões. Que diacho, o crítico poderia até estar com hemorróidas no dia em que viu o filme e tudo isso contribuiu para uma experiência negativa que leve a pôr lá só uma estrelinha. Mas vejamos:
slumdograting.pngVasco Câmara disse-me que, por norma, o público não perdoa o crítico, não admite que erre. Eu admito que o crítico erre, assim como admito uma boa crítica, mesmo que divirja da minha (poderá custar, mas se apelar à razão chegarei lá). Por exemplo, Câmara abominou a exploração da miséria. É uma crítica que aceito, embora não concorde e efectivamente não perceba, comparando o filme, por exemplo, com o “Cidade de Deus” (ao que Câmara deu 3 estrelas).
Esta pontuação só pode ser por raiva. É que Mourinha deu tanto a este filme como ao “Não te Metas Com o Zohan“, e esse sim, esse é um filme muito, muito, muito mau, sem nada que se aproveite. Eu sei que as estrelas reflectem um aglomerado de características de um filme… mas o Zohan não tem nada de nada que valha alguma coisa. O Slumdog tem.
Desta vez decidi não escrever ao crítico.

13 de fevereiro de 2009

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