21 de março de 2004
Há um ano e uns meses escrevi isto:
Dezoito dias depois do início do ano da Graça de Deus de dois mil e três, uma crónica com o título anglófono “new year” ousa invadir-vos a paz. Dois mil e três afigura-se-me como um ano de preocupações. Não porque os políticos o afirmem, mas porque penso que se é verdade que há crise, e se é que tem alguma da proporção que dizem ter, então ainda ninguém a sentiu verdadeiramente e ondas assim, não passam sem deixar marca. Penso que a crise existe mesmo. Mais uma vez, não porque os políticos o afirmem. E nem penso que o pior seja o panorama económico.
É claro quando o dinheiro falta, a incompetência nem sempre pode ser coberta com notas. E é agora que se vê a nossa incompetência. Por motivos que explicarei adiante, penso que o mais grave não é a crise mundial, que atravessamos.
Há algum tempo, li no Diário de Notícias um artigo, cujo autor não me recordo, que afirmava aquilo que penso: há duas crises – a global e a nacional. Francamente, a que menos me preocupa é a internacional. Mais tarde ou mais cedo, com mais ou menos “mossas” no desenvolvimento económico do planeta e de cada país individualmente há-de ser suplantada. Porém nós, os portugueses, não estamos nem espiritualmente, nem socialmente preparados para atravessarmos esta crise global. Vivemos uma outra crise e bem mais grave.
Esta crise de que falo não pode ser analisada levianamente e já tem vindo a ser discutida por muitos, desde há muito tempo. O nosso problema é, em parte, semelhante àquele de que sempre padeceram os povos lusos, sendo, portanto endógeno e de difícil combate. Mas há uma série de atribulações na vida social das últimas décadas, que foram criadoras de uma situação nova e que é aquela que se nos afigura agora. Há trinta anos saímos de uma ditadura longa e opressiva e depressa se alcançaram patamares sociais para os quais não estávamos preparados. Numa geração, as pessoas puderam ter carros, casas, televisões e outros luxos ao nível dos países mais desenvolvidos. Mas as bases, as estruturas, não eram nem são as desses países. Em trinta anos reduzimos o analfabetismo a 7%, mas a falta de cultura geral e a iliteracia são assombrosas. De uma cultura repressiva, passou-se a uma cultura de mediocridade e de pouca exigência.
Sem querer ser pessimista e apologista da desgraça penso que esta é uma altura em que estes nossos problemas vão surgir aos olhos de todos e de forma bem visível. Penso também que é uma ocasião soberana para os discutirmos, analisarmos e, sobretudo, emendá-los.
Infelizmente não creio que isso resolva. No outro dia, numa mesa redonda, os partidos políticos brigavam feito crianças enciumadas e nada conseguiram de concreto.
Um abraço,