3 de fevereiro de 2010


Escherichia coli vista ao microsópio electrónico.
Rocky Mountain Laboratories, NIAID, NIH

Por ventura, a esta hora, poucos dos que por aqui param estarão a pensar em bactérias, micróbios ou outros seres unicelulares. Ainda assim, aqui vai. De que somos nós feitos? A pergunta é suficientemente vaga para poder merecer muitas e variadas respostas. De átomos e moléculas a setenta por cento de água, de músculos e ossos a outros tipos de tecidos.

Peguemos na ponta do véu pela unidade básica arbitrária que é a célula. Cada um de nós é constituído por qualquer coisa como 100.000.000.000.000 células (mais zero, menos zero). Há-as dos mais variados tipos e feitios. Na escola aprendemos que as células são basicamente uns sacos, umas cápsulas mais ou menos rígidas, que trazem dentro de si pequenas estruturas: as eucarióticas têm núcleo, vesículas, mitocôndrias etc. Toda uma aparelhagem que faz funcionar aquelas pequenas fábricas. Mas como imaginar o que lá está dentro? Os microscópios revelam essas estruturas, relativamente grandes ao nível molecular. Mais além a resolução começa a falhar e torna-se difícil descrever os detalhes mais pequenos, que se aproximam do tamanho de átomos individuais. É possível utilizar técnicas como a difracção de raios-X para conhecer a estrutura, átomo a átomo, das proteínas e outras moléculas que habitam nas células, mas não de uma forma dinâmica e geralmente é preciso destruir as células para se obter as tais moléculas que se quer observar. Isso destrói a visão geral da célula.

Voltemos então à pergunta: como está tudo organizado lá dentro? O núcleo, o ADN, as vesículas — todas estas estruturas interiores das células estão mergulhadas num líquido contido pela membrana da célula, mas a visão não é a de um balão, cheio de água, com algumas coisas lá dentro.

Desenho de uma E. Coli
David Goodsell | Biochem. Mol. Biol. Educ. (2009) vol. 37 (6)

A figura acima é um desenho de uma bactéria, a Escherichia coli, as mesmas fotografadas no início deste post, correspondendo a uma ampliação de 70.000x (os microscópios ópticos tradicionais não vão muito além de 1000x). Todos nós temos milhões de E. coli a viver simbioticamente nos nossos intestinos. As bactérias não são seres eucarióticos, pelo que não têm estruturas internas compartimentadas, como o núcleo; o ADN, neste caso, em vez de estar altamente enrolado e organizado em cromossomas como no caso dos humanos, está disposto numa espécie de novelo (a amarelo). Mas longe de estar simplesmente mergulhado num líquido, como poderão observar no desenho acima ou no detalhe, em baixo, o interior da célula é densamente povoado — claustrofobicamente cheio de coisas. E que coisas são essas?

Pormenor da membrana, com âncora de um flagelo, da cromatina e do citoplasma da bactéria
David Goodsell | Biochem. Mol. Biol. Educ. (2009) vol. 37 (6)

Aqui representa-se sobretudo o ADN e proteínas associadas (em amarelo e laranja), a verde, os lípidos da membrana e proteínas associadas e a azul e lilás, as principais moléculas do citoplasma: enzimas, proteínas responsáveis pela replicação e interpretação do ADN com vista a criar outras proteínas e o RNA, espécie de papel químico do ADN. Esta visão é reconstituída através dos conhecimentos actuais da bioquímica e biologia celular e claro, contém nela muitas assunções. De fora ficam moléculas mais pequenas, tais como os nutrientes ou detritos produzidos pela célula: os açúcares, o óxigénio, o dióxido de carbono etc. É este excesso de população que provavelmente mantém o novelo de ADN junto, apertando-o.

Por fim, aqui fica um vídeo, onde são simuladas as interacções de moléculas do citoplasma para ajudar a construir a imagem do que se passa na vida agitada e apertada do interior de uma célula:

Modelo computacional do citoplasma duma E.coli
Adrian Elcock et. al

A agitação é devido ao ruído térmico: qualquer partícula, a temperaturas acima do zero absoluto, possui energia térmica, sendo que a sua manifestação é através de vibrações, causando este efeito visualmente semelhante à estática nas televisões. Nós também as temos, mas as vibrações são pequenas demais para que causem algum efeito visível à nossa escala. Se reparem bem, as proteínas mais pequenas mexem-se mesmo. Uma referência final: Life in a crowded world.

3 de fevereiro de 2010

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