6 de agosto de 2014
Quando se fala em frequência, ao cientista ou ao engenheiro vem-lhe à mente hertz — a quantidade de eventos por unidade de tempo. Mas frequência também pode significar o acto de frequentar, ou seja, de participar, de assistir. O que não significa é habilitação literária. Como? Sim, isso mesmo. Ora veja-se o que a Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público define como habilitação literária:
Código | Habilitação literária |
---|---|
1 | Menos de 4 anos de escolaridade |
2 | 4 anos de escolaridade (1º ciclo ensino básico) |
3 | 6 anos de escolaridade (2º ciclo ensino básico) |
4 | 9º ano (3º ciclo ensino básico) |
5 | 11º ano |
6 | 12º ano (ensino secundário) |
7 | Curso Tecnológico/Profissional/Outros nível III |
8 | Bacharelato |
9 | Licenciatura |
10 | PósGraduação |
11 | Mestrado |
12 | Doutoramento |
13 | Curso de Especialização Tecnológica |
99 | Habilitação Ignorada |
Inspirado pelo excelente Malomil decidi fazer um breve estudo epidemiológico acerca de incidência de frequência na Assembleia da República. Consta que alguns deputados passaram a listar nas suas biografias, na secção de habilitações literárias, não só os graus académicos que detêm como aqueles que desejam e, possivelmente, haverão um dia de ter. Em boa verdade ter-se-ão inscrito, mas será que a biografia parlamentar pode ser uma lista de intenções?
Na base-de-dados do parlamento constam as biografias dos deputados à nação desde a VI Legislatura (1994). Decidi percorrer todas elas e ver quais os deputados que têm nas suas habilitações literárias a palavra frequência. Os resultados estão na figura abaixo:
É preciso salientar que a base-de-dados apresenta muitas inconsistências e irregularidades de formatação. Mais ainda, não sei a quem cabe a responsabilidade de manter e validar os dados que são divulgados, mas sendo que se trata da página oficial da Assembleia da República assumo que são dados fidedignos.
Ora, atentando à Figura 1, vemos que a frequência se está a propagar, tendo vindo sempre a crescer, atingindo 49 deputados na actual legislatura. Em termos relativos, atingiu o valor máximo de 18% do total, na última legislatura.
A frequência atinge principalmente os mais novos. No gráfico abaixo mostra-se o número de deputados frequentadores e não-frequentadores por ano de nascimento. Os nascidos antes de 1950 são pouco afectados pela frequência, mas vemos que a incidência da frequência aumenta entre os mais novos, sendo que dos nascidos na década 80, mais de um terço já foi afectado.
Desde Sócrates e Relvas que sabemos que um grau académico pode ser sofregamente desejado. Mas os senhores deputados parecem querer mesmo que se saiba que gostam muito de estudar! Se isto não é admissível num curriculum, porquê aqui?
A bem da verdade, identifiquei pelo menos um caso de erro nos dados da página do parlamento. Por exemplo, Fernando Rosas tem na sua biografia parlamentar a «Frequência de Doutoramento em História Contemporânea». Ora, de acordo com o curriculum na sua página da Universidade Nova, Rosas doutorou-se em 1990, muito antes do seu primeiro mandato de deputado à Assembleia da República, na VIII Legislatura, com início em 1999. Assim sendo, a biografia está errada, mas o erro não é meu.
Rosas é um académico e figura pública, pelo que o seu curriculum é fácil de encontrar, mas não consigo fazer a verificação de forma automatizada para os restantes 76 deputados. Penso que deve haver mais erros. Por exemplo, o antigo Ministro Vieira da Silva tem na sua biografia a «Frequência de Mestrado em Mestrado» e o deputado Michael Seufert uma frequência de Licenciatura e outra frequência de Mestrado. Fica a lista para quem quiser investigar mais.