Começa por tentar desmontar o argumento de que as doenças pulmonares são lentas usando o sarampo.
Doenças Pulmonares, Doenças Respiratórias
Ora vamos lá começar: eu nunca falei em doenças e não tento desmontar nada. Apenas comentei o seguinte parágrafo do texto publicado no ECO:
Mesmo que fosse muito mau, os vírus pulmonares são sempre lentos, nunca infectam mais de 30% das pessoas por ano, não importa o “como” e “onde”. Os vírus rápidos são os vírus que estão disponíveis na pele ou secreções, que têm proteção do ambiente até ao momento de infectar um novo hospedeiro.
em que o Dr. Dias fala de «vírus pulmonares (…) sempre lentos» e «vírus rápidos que estão estão disponíveis na pele ou secreções».
Se bem entendi, o que o Dr. Dias nos está a dizer é que, em termos de chamar nomes às coisas, é o seguinte:
COVID-19:
doença pulmonar
SARS-CoV-2:
vírus pulmonar
Sarampo:
doença respiratória
Vírus do Sarampo:
vírus respiratório
É isso? Antes de avançar, vejamos o que alguns especialistas escrevem em revistas e manuais, acerca da COVID-19:
Coronavirus disease 2019 (COVID-19) is a respiratory and systemic illness. [fonte]
Coronavirus disease 2019 (COVID-19), caused by the novel severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2), is an acute respiratory disease that can lead to respiratory failure and death. [fonte]
Clinical features associated with patients infected with SARS-CoV, MERS-CoV, and SARS-CoV-2 range from mild respiratory illness to severe acute respiratory disease. [fonte]
COVID-19 is an acute respiratory disease caused by a newly emerged zoonotic coronavirus. [fonte]
All cases were diagnosed with laboratory-confirmed COVID-19 acute respiratory disease and were admitted to hospital. [fonte]
The latest threat to global health is the ongoing outbreak of the respiratory disease that was recently given the name Coronavirus Disease 2019 (Covid-19). [fonte]
An acute respiratory disease, caused by a novel coronavirus (SARS-CoV-2, previously known as 2019-nCoV), the coronavirus disease 2019 (COVID-19) has spread throughout China and received worldwide attention. [fonte]
COVID-19 is an acute, sometimes severe, respiratory illness caused by a novel coronavirus SARS-CoV2. [fonte]
Portanto muitos profissionais da área chamam à COVID-19 uma doença respiratória, mas segundo o Dr. Dias é pulmonar.
E já agora, o sarampo também marca presença num manual de doenças pulmonares:
E quanto ao virus propriamente dito? Desafio o Dr. Dias mostrar-me alguma fonte médica ou científica que faça a distinção entre “vírus pulmonar” e “vírus respiratório” [D1]. Recordo que o virus, SARS-CoV-2, de seu nome completo “Severe acute respiratory syndrome coronavirus 2” tem respiratório no nome.
A verdade é que tudo isto pouco interessa. Eu nunca disse que o sarampo e a COVID-19 não eram doenças diferentes, com características diferentes. Obviamente que o são e que atacam os pulmões de maneira diferente – o sarampo até causa manchas na pele! São duas doenças respiratórias infecciosas e sistémicas, causadas por vírus respiratórios. Mas o Dr. Dias é muito “relaxado” com as palavras e definições, algo estranho para quem é tão peremptório nas suas afirmações e que disse que a OMS «devia responder criminalmente» pela falta de rigor na sua comunicação. Nesta resposta está a tentar fazer aquilo que em inglês se chama splitting hairs. Desafio o Dr. Dias a mostrar alguma prova de que a COVID-19 é definida como uma “doença pulmonar” na literatura técnica ou científica, e por oposição a respiratória. [D2]
Ambos os vírus são vírus respiratórios: infectam o hóspede através das vias respiratórias, instalam-se primeiramente nos pulmões, e é pelas vias respiratórias que se propagam para outros hóspedes. Mas o Dr. Dias fez os seu comentário afirmando que há «vírus pulmonares» lentos e «vírus rápidos que estão disponíveis na pele ou secreções». Na sua resposta ao meu post, diz ainda:
O sarampo infecta por tosse e por contacto. Conjuga o pior de dois mundos e por isso tem a taxa de infecção mais elevada dos vírus que conhecemos.
Aqui, mais uma vez o Dr. Dias é pouco rigoroso com as palavras: o sarampo infecta «por contacto». E o SARS-CoV-2 não infecta por contacto? Que contacto é esse? Contacto com secreções respiratórias? Isso também o SARS-CoV-2. Daí andarmos todos a lavar as mãos, ou não é assim?
Acerca da transmissão do vírus do sarampo:
Transmission is typically by large respiratory droplets that are discharged by cough and briefly remain airborne for a short distance. Transmission may also occur by small aerosolized droplets that can remain airborne (and thus can be inhaled) for up to 2 hours in closed areas (eg, in an office examination room). Transmission by fomites seems less likely than airborne transmission because the measles virus is thought to survive only for a short time on dry surfaces. [fonte e fonte adicional 1].
e do SARS-CoV-2:
Person-to-person spread occurs through contact with infected secretions, mainly via contact with large respiratory droplets, but it could also occur via contact with a surface contaminated by respiratory droplets. [fonte e fontes adicionais 1, 2].
Portanto que “contacto” é esse que o sarampo têm que a COVID-19 não tem? Desafio o Dr. Dias a explicar-nos esse tal “contacto” que o sarampo tem, mas a COVID-19 não tem [D3]. Não querendo pôr palavras na boca do Dr. Dias, olhando novamente para o que ele escreveu no artigo:
Os vírus rápidos são os vírus que estão disponíveis na pele ou secreções.
Presumindo que o vírus do sarampo seja um «vírus rápido» e sendo que as secreções respiratórias dos dois vírus são do mesmo tipo, será que é por estar “disponível na pele”? Não pode… porque o sarampo não é transmissível pelas manchas na pele. [fonte]
O mais engraçado é que o Dr. Dias nunca refere o facto do vírus do sarampo permanecer em suspensão no ar, aerosolizado, e que isso é um (senão o) factor significativo (e sempre realçado na literatura) na transmissão do vírus. Sim, há poucas doenças respiratórias transmissíveis por via aérea (por aerossóis) para além do sarampo (e.g. tuberculose, varicela, varíola), sendo que a maioria das infecções respiratórias (e.g. tosse convulsa, gripe, constipação, pneumonia pneumocócica) se transmitem por contacto directo com as gotículas expiradas, o que leva a uma colonização da nasofaringe do hóspede, seguida da invasão dos pulmões. [fonte]
Mais uma vez, nunca disse que são doenças semelhantes, ou que não atacam os pulmões. Quais as características que levam o sarampo a ser mais contagioso? Não sei. Talvez sejam diferenças nas cargas virais geradas no tracto respiratório superior (a COVID-19 também a gera [fonte]). Talvez seja a própria resistência do vírus que se mantém viável nas partículas aerosolizadas.
Se o Dr. Dias tivesse dito que há virus respiratórios que se propagam mais rapidamente que outros, e que até então tudo indicava que o SARS-CoV-2 não se propagaria assim tão facilmente por não parecer ser transmissível por aerossóis; ou porque a COVID-19 se parecia assemelhar a outras doenças respiratórias pouco transmissíveis – isso era aceitável. Mas não. E se acharem que é picuinhice minha, porque o Dr. Dias claramente andava a falar da COVID-19 como doença pulmonar no resto do artigo, bem, também diz isto:
Também digno de nota (…) é que todos os picos anteriores, causados principalmente pela gripe sazonal, estão encerrados na semana 19 (…). A linha de base da mortalidade cruza a média nessa altura e representa o impacto inicial da mortalidade de doenças pulmonares no Inverno.
Portanto a gripe é uma doença pulmonar, também? Fica mais um desafio [D4].
Já agora, voltando aos tais 30%
Já que o Dr. Dias não gosta do sarampo, deixemo-lo de lado e voltemos novamente ao texto no ECO:
Mesmo que fosse muito mau, os vírus pulmonares são sempre lentos, nunca infectam mais de 30% das pessoas por ano, não importa o “como” e “onde”.
Muito bem. E mais a seguir:
Neste momento (escrito a 23 de Março), não há nenhuns dados fiáveis (…) O número de infectados pode ser o que conhecemos ou dez mil vezes maior (sim, dez mil vezes).
Hmmm. Dez mil vezes? «Sim, dez mil vezes». Será que o Dr. Dias pode estar novamente a ser pouco rigoroso? Não, nos disse que é preciso um «cuidado extremo, extremo, paranoico»? Vamos explorar. Ora, o Dr. Dias não nos disse a que número de infectados se refere. Se foi escrito a 23 de Março, olhemos então para os infectados reportados no mundo no dia anterior [fontes: números de infectados e população 1 e 2]:
a 22 de Março
Infectados
× 10 000
População
%
Mundo
305 235
3 052 350 000
7 594 000 000
40%
Não pode ser, isso representaria 40% da população do mundo em poucos meses e o Dr. Dias diz-nos que um “vírus pulmonar” nunca infecta mais de 30% das pessoas por ano. Será na China? Ou Itália?
a 22 de Março
Infectados
× 10 000
População
%
Mundo
305 235
3 052 350 000
7 594 000 000
40%
China
82 346
823 460 000
1 393 000 000
59%
Itália
59 138
591 380 000
60 360 000
980%
Também não pode ser, isso representaria quase 60% da população chinesa e 980% da população Italiana em poucos meses e o Dr. Dias diz-nos que um «vírus pulmonar» nunca infecta mais de 30% das pessoas por ano.
E em Portugal?
a 22 de Março
Infectados
× 10.000
População
%
Mundo
305 235
3 052 350 000
7 594 000 000
40%
China
82 346
823 460 000
1 393 000 000
59%
Itália
59 138
591 380 000
60 360 000
980%
Portugal
1 280
12 800 000
10 280 000
125%
Não dá, não somos tantos quanto isso. E na região do Algarve?
a 22 de Março
Infectados
× 10.000
População
%
Mundo
305 235
3 052 350 000
7 594 000 000
40%
China
82 346
823 460 000
1 393 000 000
59%
Itália
59 138
591 380 000
60 360 000
980%
Portugal
1 280
12 800 000
10 280 000
125%
Região Algarve
35
350 000
451 006
78%
Também não pode ser, isso representaria quase 80% da população algarvia em algumas semanas e o Dr. Dias diz-nos que um “vírus pulmonar” nunca infecta mais de 30% das pessoas por ano.
Ficamos, pois, sem saber a que se referem esses «Sim, dez mil vezes». Desafio então o Dr. Dias a dizer-nos a que é que se referia essa possibilidade de dez mil vezes mais casos, e como é que isso se coaduna com o limite dos 30%. [D5] .
Mais uma vez, aponto a ligeireza da argumentação do Dr. Dias, em que faz proclamações muito autoritárias, mas pouco rigorosas, que se contradizem a elas mesmo. Se os «vírus pulmonares nunca infectam mais de 30% das pessoas por ano, não importa o “como” e “onde”», como e a onde é que ele estava a referir que há possivelmente dez mil vezes mais casos de infectados do que aqueles que conhecemos?
Os gráficos
Depois a parte da análise de gráficos. Mistura gráficos de valores absolutos com gráficos de z-score para tirar conclusões. É um misto de ignorância e de atrevimento. (…)
Eu não misturei: pus lado a lado, precisamente para não misturar, mas para comparar.
Aproveito para esclarecer, os gráficos de mortalidade do euromomo por pais são em Z-score. Distâncias da mortalidade base. Como a mortalidade base já está a descer nesta altura do ano, a mortalidade aparece de forma muito dramática nos gráficos de Z-score. Uma mortalidade acrescida de 100 em Janeiro pouco altera o z-score porque a mortalidade base é alta nesse mês. Uma mortalidade de 100 acrescida em Março dramatiza muito o z-score. São ambas iguais.
Tem toda a razão o Dr. Dias! Agradeço a chamada de atenção. Com efeito, um determinado valor de Z-score numa semana do ano não representa exactamente o mesmo número de mortes excedentes que o mesmo valor de Z-score noutra semana do ano.
Mas é aí que pára a razão do Dr. Dias. Tudo o resto é um disparate pegado. Ora vejamos.
O Z-score representa, efectivamente, uma distância à mortalidade base expectável, modelada a partir de dados históricos removidos das tendências sazonais e de longo-termo.
Só temos disponíveis os número de mortes e número de mortes excedentes para o total da amostra. Mas podemos ir aos dois gráficos, por exemplo, para o segmento etário 15-64 e escolher para cada ano o Z-score e o número de mortes excedentes para as semanas 1 e 14. Se as pusermos num gráfico o obtemos é o seguinte:
Ora, isto diz-nos, aproximadamente, quanto é que cada Z-score “vale” em termos de mortes excedentes. Ou, ao contrário, podemos calcular aproximadamente quanto muda o Z-score quando há uma mortalidade acrescida, por exemplo de 100 mortes. Neste caso o Z-score muda cerca de 0.8 na semana 1 e cerca de 0.9 na semana 14. E como se vê pelas relações praticamente lineares, esse diferencial de Z-score é essencialmente independente do número de mortes. Há uma diferença pequena, que é devida ao facto de em Janeiro haver, sim, geralmente mais mortes, mas como se pode ver, um pico de Z-score 10 representa cerca 1 260 mortes em Janeiro, 1150 mortes em Março.
O Dr. Dias tem razão quando diz que o Z-score depende da mortalidade base, mas o que faz a grande diferença, não é a sazonalidade (isto é, a oscilação sinusoidal e os picos anuais de gripe), mas sim o valor base mesmo: o número total de mortes. Neste caso da faixa etária 15–64 anos, tomei como referência representativa a mortalidade base total na semana 1 de 2016, que é cerca de 7 800 mortes. Se olharmos agora para a faixa etária de todas as idades, a mortalidade base total nessa semana é de cerca de 54 000 mortes. O mesmo gráfico para a faixa etária de todas as idades fica assim:
Mais uma vez vemos uma quase linearidade da variação do Z-score com o número de mortes excedentes e apenas uma pequena diferença entre as duas semanas. Neste caso, quando há uma mortalidade acrescida de 100 mortes o Z-score muda cerca 0.16 na semana 1 e cerca de 0.18 na semana 14 – um factor de cerca de 5, quando comparado com a faixa etária dos 15–64 anos. Isto deve-se, novamente, ao número da mortalidade de base total e ao facto do algoritmo de cálculo de Z-score ponderar a mortalidade base com uma lei de potência com um expoente de 2/3. Se fizermos o mesmo exercício com as faixa etária 0–14 anos, obtemos, como seria de esperar pela ponderação, um factor bastante maior: uma mortalidade acrescida de 100 mortes muda o Z-score cerca 5.6 na semana 1 e cerca de 5.5 na semana 14.
Portanto, isto que o Dr. Dias diz é falso:
Uma mortalidade acrescida de 100 em Janeiro pouco altera o z-score porque a mortalidade base é alta nesse mês. Uma mortalidade de 100 acrescida em Março dramatiza muito o z-score. São ambas iguais.
não dramatiza nada – desafio o Dr. Dias [D6] a contradizer-me e demonstrar, com números e contas mesmo, que eu estou errado e ele está certo. Esta de se esconder atrás do «É preciso o básico dos básicos de epidemiologia» não colhe. Portanto, mantenho que se pode comparar o pico do inverno de 2014/2015 com o do surto de COVID-19 na primavera de 2020:
Primeiro aparte: não digo que se tenha de ir aprender sobre o algoritmo do EuroMOMO, mas basta ler um bocadinho sobre os objectivos do projecto para se chegar à conclusão que o objectivo da introdução da Z-score é precisamente para se poderem comparar séries temporais, e entre países, já que o grau de disponibilidade de dados absolutos dificulta essas comparações directas. Dramatizar o que quer que fosse nulificaria esse objectivo. Segundo aparte: basta não ser cego para pôr lado a lado um gráfico de mortes (ou excesso de mortes) e Z-scores para ver como as características dos picos se mantêm, não havendo nenhuma “dramatização” – o propósito é mesmo esse.
Mais; voltemos à Itália. Como não temos os dados dos números de mortes só para Itália, podemos tentar estimar quanto é que cada Z-score “vale” em termos de morte excedentes. Para tentarmos calibrar a mortalidade base total, consultando este artigo, vemos que na semana 1 de 2016 havia cerca de 20 mortes por 100 000 habitantes (faixa etária de todas as idades). A população italiana em 2016 era cerca de 60,67 milhões, logo, a nossa referência representativa da mortalidade base total na semana 1 de 2016 para Itália é de 12 134 mortes. Usando a lei da potência para determinar a ponderação, isso dá-nos que cada 100 mortos excedentes correspondem sensivelmente a um aumento de Z-score de 0.42.
O pico na semana 14 de 2020 tem Z-score 22.66, logo com a estimativa acima isso corresponde a um excedente de mortes igual a 5 300 nessa semana. Não será a estimativa mais exacta, mas está na ordem de grandeza do reportado por outros. Sendo que em 2014 inteiro (e não só no pico da gripe no inverno) houve 54 000 mortes excedentes (fonte), um valor semanal correspondente a 10% do valor anual é significativo.
É preciso o básico dos básicos de epidemiologia para se lançar a falar de epidemiologia.
Talvez. Mas é mais importante perceber o processo matemático que gera os gráficos primeiro antes de dizer barbaridades.
O benefício do tempo
Como afirmei no primeiro post, até pode ser que o Dr. Dias venha a ter razão em algumas das suas considerações, como o facto de, por ventura, se ter podido deixar as escolas abertas, à luz do que se conhece hoje. Mas o Dr. Dias afirma tudo categoricamente e prova muito pouco. Disse-nos que «havia muito tempo para (…) observar como evoluía a epidemia e decidir de acordo com essa evolução, racionalmente e em conta peso e medida», mas ele próprio não seguiu o seu conselho. A verdade é que já podemos começar a acertar algumas contas, pelo menos de forma parcial. Ainda é cedo para se concluir sobre as taxas de letalidade, mas nos EUA, na última década, a época mais mortífera de gripe causou um número de mortes estimado em 61 000 (95 000, se usarmos o extremo do intervalo de confiança a 95%). Em cerca de 2 meses a COVID-19 terá morto já 76 000 pessoas, a um ritmo que teima em manter-se sensivelmente nas 1 500 a 2 000 mortes por dia
O Dr. Dias também disse que:
É banal um aumento de 140% de mortalidade, em Bergamo, em relação ao ano passado, dada a época amena de gripe.
Ora, o Instituto Nacional de Estatística italiano publicou há dias um relatório sobre as mortes no primeiro trimestre (realce meu) [fonte]:
the most affected provinces by the epidemic recorded three-digit percentage increase of deaths in March 2020, compared to 2015-2019 average: Bergamo (568%), Cremona (391% ), Lodi (371%), Brescia (291%), Piacenza (264%), Parma (208%), Lecco (174%), Pavia (133%), Mantua (122%), Pesaro and Urbino (120% ).
Desafio [D7] o Dr. Dias a dizer-nos o que é que isto tem de banal.
Para concluir
O Dr. Dias escolheu dois pontos que achou por bem responder-me. Curiosamente escolheu não mencionar nenhuma dos outros erros que eu lhe apontei. Ao longo deste texto desafiei o Dr. Dias sete vezes a vir provar as afirmações ou implicações que fez de forma errónea. Deixo aqui mais uns desafios para o Dr. Dias rebater, repescados do meu primeiro post para facilitar a leitura. Mas com fontes e referências, mesmo. Não vale ser só a amuar e a dizer que os que o criticam não percebem nada de epidemologia.
[D8] É falso que a cremação seja obrigatória, como o Dr. Dias afirmou:
Os corpos têm de ser cremados [em Bergamo, Nova Iorque e Madrid] por ser doença formalmente contagiosa de notificação
[D9] É falso que a curva dos casos de infectados chineses seja uma gaussiana («exactamente simétrica») como afirmou:
[D10] Prove esta afirmação feita na entrevista ao Qi News:
(…) porque há relatos de médicos[chineses] em Outubro que queriam já contactar OMS.
[D11] É falso que todos os países, com excepção da Coreia do Sul tenham durações do início do crescimento exponencial até ao pico de casos novos de 12 a 15 dias (contra-exemplos: EUA, Itália, Espanha, Reino Unido, Mexico), como afirmou aqui:
Todos os países, com excepção da Coreia do Sul agora, apresentam curvas teóricas perfeitas com 12 a 15 dias até ao pico de casos novos, depois de entrar em exponencial (…).
São 11 desafios bem enumerados. Havia mais, mas fico-me por aqui, com uma citação do Russell:
The fundamental cause of the trouble is that in the modern world the stupid are cocksure while the intelligent are full of doubt.
Agradeço a quem me comunicar erros que possa ter feito (mas não vale dizer que eu sou burro porque nunca estudei epidemiologia).
Numa coisa esta pandemia revela-se normal: há opiniões para tudo, dos que acham que é o fim do mundo, aos que acham que não é nada de mais. E há parvoíce.
No início do mês, o jornal ECO publicou um artigo de opinião intitulado «Um século de epidemiologia diz-nos outra coisa». Depois, um site de notícias, convencido da força das ideias do artigo, deu tempo de antena ao autor numa entrevista intitulada “A Autópsia de um Equívoco”. Há um equívoco, sim.
A premissa do artigo é a seguinte:
«Seria tempo de usar o conhecimento de cem anos de epidemiologia na gestão desta epidemia, em vez de adoptar medidas extremas e que seguramente terão um grande impacto negativo na nossa vida.»
e o autor, um indivíduo de seu nome e título, André Dias, PhD, numa série de exposições mostra como ele, e aparentemente mais ninguém, viu como tudo isto não passa de um mal-entendido. No fundo, estão todos errados. Menos ele, claro.
Não raramente, o alto débito de informação com pouco ou nenhum contraditório serve para inundar e atolar quem a recebe. Mais ainda quando essa informação se afigura verossímil. E no entanto isso não a torna verdadeira.
Antes de entrarmos pelo conteúdo, tomemos esta afirmação que o autor, a certa altura, proclama:
«Mesmo que fosse muito mau, os vírus pulmonares são sempre lentos, nunca infectam mais de 30% das pessoas por ano, não importa o “como” e “onde”.»
O autor faz uma proclamação autoritária e definida. Atentemos à seguinte passagem.
As Ilhas Faroé são pequenas formações vulcânicas que emergem da água no extremo norte do Oceano Atlântico. Na periferia da Europa, são isoladas e frias; em 1846 eram um dos locais mais saudáveis do mundo. Mas nesse ano, um carpinteiro nativo da ilha regressou de Copenhaga com uma tosse intensa. Tinha sarampo. O vírus havia estado ausente das Ilhas Faroé por mais de 60 anos e, numa altura em que ainda não existia vacina, poucos habitantes da ilha tinham imunidade à doença. Durante os cinco meses seguintes, 6 100 dos 7 900 habitantes da ilha ficaram doentes. Mais de uma centena morreram.
O Governo dinamarquês, distante soberano destas pequenas ilhas, enviou ao local Peter Panum, um jovem e perceptivo médico de patilhas distintas. O seu relatório provou, sem margem para dúvidas, que a doença se propagou por contacto directo. Trata-se de um documento seminal de epidemiologia. fonte
O vírus do sarampo é um vírus respiratório que se transmite por via aérea. Ora, 6100 / 7900 = 77%. Mais que 30%, se não estou em erro. E em 5 meses. Há outros exemplos, como a da epidemia de 1911 na ilha de Rotuma. Estamos conversados?
Não, não estamos. A categórica frase de André Dias aparenta ser séria, mas é falsa. Para quem diz ter formação em epidemiologia e que devemos estar atentos aos últimos cem anos de conhecimentos epidemiológicos, é estranho não ter conhecimento dos resultados considerados fundadores da epidemiologia moderna, publicados há… 170 anos.
Em 1940, Haven Emerson, médico de saúde pública pioneiro e Health Commissioner of New York City, fez uma recensão por ocasião da tradução inglesa da obra de Panum:
Here is a model of dignity, restraint, honesty, accuracy and intellectual stimulation; a rare and precious publication; 111 pages of medical treasure, named from the kernel of 20 pages in which the observations of that remarkable physiologist and epidemiologist, Peter Ludwig Panum first revealed his quality in analytical literature.
From the frontispiece portrait of the rugged devotee of truth and logic to the final tabulation of complications causing deaths of measles patients, there is not a superfluous or irrelevant word.
Permitam-me a ousadia, mas posso, com quase toda a certeza, dizer que nenhuma das palavras acima serão alguma vez usadas para descrever estas considerações epidemiológicas do Dr. André Dias.
Vamos então ao que (não) interessa.
Os dados
«Neste momento (escrito a 23 de Março), não há nenhuns dados fiáveis para estimar a letalidade da covid19, pode ser 0,001% ou 5%. Tudo isso é ruído. O número de infectados pode ser o que conhecemos ou dez mil vezes maior (sim, dez mil vezes).»
Isto é verdade. Os dados são imperfeitos, incompletos, temporalmente limitados, e sobretudo, com excepção da China e da Coreia do Sul, estávamos no início do surto. Note-se ainda que ao mesmo tempo que o surto conflagra, estamos a mudar as condições de propagação do virus, por termos embarcado na maior experiência de confinamento e isolamento de que há memória. De qualquer maneira não sabemos exactamente quando é que o autor estava a olhar para os dados, uma vez que afirma tê-lo escrito a 23 de Março, mais tarde diz que está a olhar para dados de 1 de Abril e o artigo foi publicado dez dias depois.
E no entanto, há pessoas a morrer, a entupir os hospitais, portanto havia e há que actuar. O futuro dirá se foi uma actuação desproporcionada ou não, mas mesmo no futuro as análises não vão ser triviais, como muitas análises a anteriores epidemias, ou mesmo à gripe sazonal mostram. E mesmo com melhores dados no futuro, como dizem os anglófonos, hindsight is 20/20.
Portanto, sim, os dados são certamente problemáticos para se fazerem, de forma rigorosa, proclamações definitivas acerca das características da epidemia e da doença. Aí concordamos. Ainda assim, o autor, após proclamar a pouca fiabilidade dos dados não se coíbe de, logo depois, afirmar:
«As estimativas actuais da letalidade colocam a covid19 no nível da gripe (..) perfeitamente banal para picos de gripe.»
Pronto. Está o caldo entornado. Então os dados não eram só ruído? «não há nenhuns dados fiáveis para estimar a letalidade da covid19» mas afinal já se pode dizer que é perfeitamente banal para os picos de gripe?
O autor depois fala de duas formas de se estimar a magnitude do problema, já que tudo o resto “é ruído”: usando os dados do navio Diamond Princess e os dados da rede europeia de monitorização da mortalidade (EuroMOMO).
O Navio Diamond Princess
Uma das maneiras, segundo o autor, é olharmos para o que aconteceu no navio onde uma população esteve confinada. De facto, a letalidade (chamemos-lhe IFR, or Infections Fatality Rate, i.e. número de mortes a dividir por todos os casos de infecção) foi estimada num estudo de final de Março como 1.3% (Intervalo de Confiança, IC 95%: 0.38–3.6) e o CFR 2.6% (IC 95%: 0.89–6.7). O CFR, ou Case Fatality Rate é o número de mortes a dividir pelos casos conhecidos de infecção.
Uma nota: mais tarde o autor acusa a Organização Mundial de Saúde (OMS) de falta de rigor na divulgação de dados, mas o autor usa o termo “letalidade” para umas vezes falar de IFR, outras de CFR.
Tipicamente numa pandemia em curso, o que se calcula é o CFR, uma vez que há casos assintomáticos ou que simplesmente não são testados, e o IFR é determinado a posteriori, com base em estimativas e rastreios serológicos da população. Neste caso, como a população do barco foi toda testada e os investigadores podiam separar entre casos sintomáticos e assintomáticos, foi possível estimar qual seria o CFR. O IFR final (mais tarde vieram a contabilizar-se mais casos) ficou em 1.97%, dentro da estimativa dos autores.
A população do navio é, de facto, envelhecida, e portanto, os autores do estudo acima extrapolaram os valores para uma distribuição etária real baseada em dados chineses até 11 de Fevereiro, determinando um IFR = 0.6% (IC 95%: 0.2–1.7) e um CFR = 1.2% (IC 95%: 0.3–3.1), efectivamente mais baixos que os números crus do navio. Note-se, no entanto, que Wuhan foi fechada a 23 de Janeiro e a província de Hubei fica completamente fechada a 28 de Janeiro.
Olhemos agora para os dados do CDC das épocas de gripe na última década, nos EUA. O cálculo do IFR foi feito por mim com base no total estimado de doenças (illnesses), embora esses sejam apenas os casos sintomáticos (a fracção dos assintomáticos não é clara).
Isto significa que o IFR da COVID-19 é cerca de 3 a 6 vezes pior que a gripe, em termos de mortes, com base nos dados do navio e dos casos chineses. Mas isto até pode ser irrelevante, por agora – convém dizer que: 1) os dados têm ruído (como o autor diz!) e os dados da gripe estão longe de ser definitivos; 2) o IFR não é necessariamente uma propriedade do virus – depende de muitos outros factores; e 3) como vou realçar abaixo: estamos praticamente todos, de uma forma ou de outra, em confinamento ou sob medidas de controlo de pandemia!
EuroMOMO
Olhemos agora para o tal EuroMOMO (European Mortality Monitor)
«Olhar para os gráficos do Euromomo e ver que a mortalidade está muito abaixo de um pico de gripe diz-te noventa por cento do que precisas de saber. (…) Um pico em 2017/2018 de mortalidade de sensivelmente 150 mil pessoas na Europa (…) Se olharmos para os dados em bruto não está sequer perto da mortalidade de um pico de gripe e é isso que importa.»
Os dados que o autor realçou foram relativamente ao seguinte gráfico:
Antes de mais há que tomar atenção à seguinte cautela feita pelos autores deste instrumento:
Note on interpretation of data: The number of deaths shown for the three most recent weeks should be interpreted with caution as adjustments for delayed registrations may be imprecise. Furthermore, results of pooled analyses may vary depending on countries included in the weekly analyses. Pooled analyses are adjusted for variation between the included countries and for differences in the local delay in reporting.
Ou seja, os dados das últimas três semanas reportadas são provisórios. Vejamos então, uma semana depois, o mesmo gráfico – os dados na zona a amarelo estão substancialmente diferentes e o gráfico muda de aspecto:
Note-se que a escala mudou e o pico agora é maior que qualquer pico de gripe nestes registos (últimos 4 anos). A largura do pico – que dará o total de mortes – essa é preciso esperar para saber.
Para além do número de mortes, o gráfico mostra a mesma informação numa outra escala: a de Z-score. Z-score é uma medida de comparação do número de mortes em relação à base (faixa da média esperada quando não há surtos) e é medido em unidades de desvio padrão. O valor Z-score do pico é quase o dobro do da semana anterior.
Já agora, uma maneira boa de se ver a diferença que faz o facto de os dados serem provisórios é olhar para o mapa da Z-score por país da semana 15, reportado na semana 16 (esquerda) e reportado na semana 17 (direita):
Estes dados são dados cumulativos de várias regiões europeias. O autor depois focou-se no caso Português, para mostrar como nada de especial se passa em Portugal em termos de mortes. E tem razão, da mesma forma que tem razão quando diz que a época de gripe não foi particularmente grave este inverno. Nada como em 2016-2017. E mais, não é só em Portugal que o número de mortes é, como diz o autor, “banal”, mas são todos estes países:
O que se deve notar, no entanto, é que estes números de mortes normais também entram para o resumo cumulativo. Isto quer dizer que, se “desdobrarmos” o tal resultado cumulativo sumário, vemos o que se passa no resto dos países:
Aqui o caso já não é tão côr-de-rosa. Todos eles estão a ter números de mortes excepcionais, bem acima do que é normal, para a maioria, e daquilo que são os picos de gripe nos últimos quatro anos. É certo que a maioria das mortes ocorre em pessoas com mais de 64 anos. Olhe-se no entanto para o grupo etário abaixo (15-64) em Inglaterra. É absolutamente anormal:
Os gráficos estão em Z-scores, que nos dão uma medida do desvio em relação ao normal, mas infelizmente o número total de mortes, bem como o cálculo das mortes excedentes só está disponível para o total da região (e note-se que esta é uma região amostra, de diversas cidades/áreas de diversos países – não um total de todas as mortes nos países indicados):
No entanto, dá para ver que o que está a acontecer adivinha-se mais grave do que as épocas de gripe dos últimos 5 anos. Ainda temos de esperar para saber a duração do pico – segundo o Dr. Dias, até Maio – mas o número de mortes excedentes por semana já atingiu quase 34 000, o dobro do máximo do pior pico das últimas quatro temporadas de gripe.
E em Itália? Diz o autor:
«Provavelmente a mortalidade em Itália ficará várias vezes abaixo de 2014 (…) [do] pico de 54 000 mortos.»
Aqui fica uma pequena investigação acerca desse pico de 54 000 mortos no inverno 2014/2015, e de como se compara com o que se está a passar.
Resumindo, aquilo que o EuroMOMO registou como mortes excedentes em 2014/2015 aparenta ser significativamente mais ligeiro do que o que se está a ver agora. As contas finais o dirão, mas segundo a amostra do EuroMOMO, Itália encaminha-se para um resultado particularmente sinistro. E se ficará muitas vezes abaixo do valor de 54 000 de 2014? Bem, os dados confirmados, de sete semanas, mostram já cerca de 24 000 mortes, e doisestudos preliminares estimam que o número de mortes efectivo esteja já em cerca do dobro das reportadas.
Portanto, o que está a acontecer em alguns países da Europa, em termos de mortes, não é “banal”. E nos outros? Também está longe de ser “banal”, porque a verdade é que grande parte dos países está sobre medidas mais ou menos austeras de isolamento e confinamento.
E por isso, há que realçar o seguinte, sobre todas estas contabilizações: os números que estamos a ver, estamos a vê-los sob a maior implementação de medidas de isolamento e confinamento alguma vez posta em prática.
Ah, mas o Dr. Dias proclama que:
«As medidas de contenção não demonstram a mais remota efectividade.»
Vamos então a isso, mas antes, uma nota adicional: o mesmo mapa acima, mas sobreposto com os dias em que as restrições (lockdown ou equivalente) foram impostas antes (a verde) ou depois (a amarelo e vermelho) da primeira morte:
As distribuições
O autor diz o seguinte no artigo:
«As medidas de contenção não demonstram a mais remota efectividade. Todos os países, com excepção da Coreia do Sul agora, apresentam curvas teóricas perfeitas com 12 a 15 dias até ao pico de casos novos, depois de entrar em exponencial, que é o padrão representativo de infecções pulmonares sem controlo.»
E expande o seu raciocínio no vídeo:
Como é que eu vejo o que é que eu vi que aconteceu na China? A primeira coisa que me chamou a atenção na China, graças a análise, é que a curva chinesa é uma gaussiana perfeita uma distribuição normal perfeita. Bom e isso é um indicador muito forte que é uma infecção sem qualquer tipo de controle de infecções. (…) uma infecção na natureza numa população natural, elas desenham sempre uma distribuição normal (…) Isto é uma infecção em roda livre absolutamente nada aqui que esteja alterar o padrão esperado.
Suspendamos o conhecimento que temos de que a transmissão do vírus ocorre por via aérea entre pessoas fisicamente próximas e que as medidas de confinamento separam fisicamente as pessoas. Vamos, então, considerar o que diz o Dr. Dias e olhemos para os dados de casos diários na China que mostro no gráfico abaixo, ignorando o pico de casos reportados a 12 de Fevereiro. O que obtemos é o seguinte:
É difícil ver que os dados sejam simétricos, mas fiz um ajuste a duas curvas: à direita, a uma curva assimétrica (lognormal) e à esquerda, a uma curva simétrica (gaussiana). A curva assimétrica ajusta-se melhor (root mean square error, RMSE, menor).
Mas ignoremos isso. Como o Dr. Dias disse, e bem, os dados reportados têm ruído. E mais importante que a data de anúncio dos casos – que podem ser contabilizados a alturas diferentes do estágio da infecção – é a data de início de sintomas de cada infecção. Veja-se então esses dados, aos quais eu, manualmente, sobrepus uma curva gaussiana, i.e., uma distribuição normal:
Como é mais que visível, os casos não se distribuem segundo uma “curva gaussiana perfeita”.
Não vou entrar em discussões sobre se isto é um marcador do efeito ou da falta de efeito das medidas de contenção – curiosamente também eu não sou epidemiologista. Apenas refiro que qualquer “análise” do Dr. Dias peca por se basear numa premissa falsa, e logo, as conclusões não podem estar certas.
Já agora, olhe-se para os casos de alguns dos países europeus e veja-se qual registo de casos se assemelha com uma “curva gaussiana perfeita”. E confirmem-se os “12 a 15 dias até ao pico”. Compare-se também com a figura 10.
E finalmente, sem entrar em grandes detalhes, veja-se a variação da assimetria de curvas de casos infecciosos num modelo SIR (modelo básico de propagação epidemiológica que simula três compartimentos: os grupo dos Susceptíveis, ou não infectados, os Infectados, e os Recuperados, i.e., mortos ou convalescidos) com a variação das taxas de infecciosidade e recuperação:
Nos casos em que o vírus provoca menor número de infecções, a curva de infectados ao longo do tempo é menos assimétrica.
O Dr. Dias diz que as medidas de contenção não estão a ter efeito porque… não sei quê curvas perfeitas. Outros discordam, e dizemquesim, deixo-os falar.
A OMS
O autor não deixa de criticar, e muito, a actuação da OMS. Haverá certamente críticas a fazer, mas o Dr. Dias afirma que a organização deveria “responder criminalmente”:
«É preciso um cuidado extremo, extremo, paranóico, com a divulgação de dados iniciais de surtos em particular com a letalidade. A Organização Mundial de Saúde (OMS) devia responder criminalmente por não controlar esses dados e não assegurar que indica a ordem de grandeza do ruído. Foi só e apenas isso que fez este “surto”. (…)
Provavelmente terá sido a qualidade do ar em Wuhan que terá espoletado os alertas de surto da OMS e o governo chinês entrou à bruta. As imagens criaram pânico no mundo… »
No artigo, o Dr. Dias conteve-se. Só disse isto. Mas no vídeo expandiu o seu “raciocínio”. Um desvario total, do género conspirativo, que tentei resumir – e contrapor – na cronologia abaixo.
Resumindo, segundo o Dr. Dias, a OMS foi dizer às autoridades da China em Janeiro ou Fevereiro uma coisa que as autoridades Chinesas já haviam transmitido à OMS em Dezembro. E segundo ele, foram irresponsáveis por não alertar o mundo da incerteza dos dados – precisamente o oposto do que aconteceu, como citei na cronologia, e cujas fontes estão aqui: 1, 2, 3, 4.
Os crematórios
O autor resolve explicar o que se passa com os serviços funerários nos sítios mais críticos da epidemia:
«Foi o mesmo medo que fez colapsar os serviços funerários em Bergamo e Madrid e agora Nova Iorque. Os corpos têm de ser cremados por ser doença formalmente contagiosa de notificação, e os funcionários são obrigados a medidas de protecção total que diminuem a produtividade.»
Isto é absolutamente falso. Em Nova Iorque:
«(…) funeral homes and cemeteries may continue to operate given their essential business designation (…) Final disposition, either burial or cremation, should take place as soon as possible» fonte
e em Itália:
«Ceremonies have also been banned, in order to avoid mass gatherings. The funeral was reduced to simply transporting the sealed coffin to the cemetery or crematorium. The cremation of people who died as a result of COVID-19 is not compulsory.» fonte
Fica como trabalho de casa procurar o caso de Madrid. Nem sequer vou entrar pelos devaneios explanados pelo autor, mas deixo aqui só estes dois exemplos (adicionais) de como o autor propaga informação comprovadamente falsa, que usa como suporte das teorias com que deslumbra o leitor menos informado ou atento.
O pânico
Para o Dr. Dias, tudo não passa de um pânico, uma vez que não se pode sequer estimar a letalidade (IFR? CFR?), embora o autor não se tenha coibido de afirmar que a letalidade é “banal”, mais baixa que a gripe:
«Como não se pode sequer estimar no início a letalidade, todo o medo e pânico são irracionais.»
A frase, digna de um líder da União Soviética momentos depois do reactor explodir em Chernobyl, revela a confiança que André Dias tem no seu conhecimento de saúde pública e de gestão do risco.
Nassim Taleb, Distinguished Professor of Risk Engineering na NYU, discorda:
First, it should be evident that one cannot compare fatalities from multiplicative infectious diseases (fat-tailed, like a Pareto) to those from car accidents, heart attacks or falls from ladders (thin-tailed, like a Gaussian). Yet this is a common (and costly) error in policy making, and in both the decision science and the journalistic literature.
Some research papers even criticise people’s “paranoïa“ with respect to pandemics, not understanding that such a paranoïa is merely responsible (and realistic) risk management in front of potentially destructive events. The main problem is that those articles – often relied upon for policy making – consistently use the wrong thin-tailed distributions, underestimating tail risk, so that every conservative or preventative reaction is bound to be considered an overreaction.
Em qualquer situação de incerteza, perante perigos potencialmente graves, haverá medo. Só não se justifica quando todos os dados são conhecidos e a situação esclarecida. Isso não era verdade na altura e ainda hoje, mesmo com muito mais conhecimento acerca do vírus e das suas implicações, há muitas questões importantes por decifrar.
As escolas
O Dr. Dias continua com as suas considerações:
«As escolas nunca deveriam ter sido fechadas. As crianças correm um risco praticamente nulo com esta infecção, e ficam imunes rapidamente, sem sintomas na maioria. Transformam-se em vassouras de vírus a recolher vírus das superfícies que nada lhe fazem e que deixam de estar disponíveis para infectar pessoas vulneráveis.»
Vamos lá ver, pode ser até que o autor venha a ter razão: as crianças parecem sofrer pouco ou nada com a doença, e, mais importante, começa a haver indícios de que podem não ter grande papel na transmissão do vírus, mas a verdade é que o consenso científico está longe de ser claro acerca da eficácia desta medida.
Não faltam críticos à escolha de fechar as escolas, como o Prof. Johan Giesecke, antigo epidemiologista-chefe da agência sueca de saúde, Jennifer Nuzzo, professora da universidade Johns Hopkins, o Prof. Jorge Torgal, em Portugal, ou John Ioannidis, professor de epidemiologia na universidade de Stanford, que, mesmo discordando do fecho das escolas, não argumentou que a medida em si poderia reduzir a taxa de contágio:
School closures, for example, may reduce transmission rates. But they may also backfire if children socialize anyhow, if school closure leads children to spend more time with susceptible elderly family members, if children at home disrupt their parents ability to work, and more. fonte
A ideia que as crianças – mesmo que seja verdade que não são afectadas e não transmitem a doença – possam “vassourar” vírus das superfícies é perfeitamente idiota. Se a ideia é limpar superfícies, então porque não panos impregnados de álcool? O que o país e o mundo precisam é duma campanha de limpeza!
Conclusão
Não há dúvidas que um virus respiratório novo, contra o qual ninguém tem imunidade, que pode levar a quadros clínicos complicados e que, sobretudo, tem menos de meio ano de existência conhecida, suscita dúvidas, questões, receios. A actuação dos diversos agentes é complexa e interligada. Ao contrário do Dr. Dias, para a maioria de nós ter certezas é difícil. E ao contrário do que diz André Dias, a questão não é única e não se limita à mortalidade. Ainda estamos a aprender, tanto em termos do impacto do virus, que pode atacar não só os pulmões, mas os rins, a circulaçãosanguínea, o coração, o cérebro e outros orgãos, e que pode levar a prolongadas hospitalizações, como no que diz respeito às medidas mais eficientes para lidar com a pandemia.
Decidi escrever estas palavras por ter visto pessoas a partilharem a entrevista do Dr. André Dias e a questionarem-se se ele não teria razão – que tudo não se trata de um equívoco e irresponsabilidade da OMS. A verdade é que, como afirmei no início, quando a quantidade de informação é avassaladora e se de alguma forma essa informação aparenta ser plausível, a dúvida instala-se. O pouco que o autor diz que possa ser relevante está submerso num mar de ideias confusas, com muitos dados e afirmações falsas, e, sobretudo, contribui para desinformar e confundir as pessoas.
Eu também não sou epidemiologista, e por isso não fiz nenhuma proclamação nesse sentido. O que fiz foi questionar todas as afirmações feitas por André Dias. Dá trabalho. É difícil. Leva tempo. Mas é isso que os jornalistas (para não dizer os cientistas) têm obrigação de fazer. E se não sabem, perguntem a quem sabe. Critiquei as afirmações de André Dias, mas critico também os jornalistas: relatar factos com rigor e comprovar esses factos é uma obrigação deontológica do jornalismo; um jornal que preze a ética jornalística deve, no mínimo, considerar se os artigos de opinião que publica não são mera desinformação.
Em último caso deviam ter aberto o curriculum de André Dias e ver se ele tem sequer uma publicação em epidemiologia, se possível em doenças infecciosas (não tem). «A instituição que o acolheu é uma das mais prestigiadas do mundo na área de investigação em epidemiologia.» – isto vale zero. Já agora, todos podemos ter opiniões. E experiência profissional num tema não é garantia de concordância, como todos podemos assistir no debate em curso entre diversos especialistas discordantes. Mas ter trabalho feito num determinado tópico significa que, à partida, se passou tempo a pensar no assunto e se ultrapassou o básico.
Mas no final de tudo, mesmo para quem não saiba nada do assunto, o bom senso dita que se deve, pelo menos, ter uma boa dose de cepticismo perante quem afirma descobrir algo revolucionário, que estava à vista de todos e que ainda assim, ninguém parece ver. Isto quando este é o tópico mais relevante e perscrutado do nosso presente e numa altura em que todos se confrontam com incertezas. E sobretudo quando o faz fazendo proclamações com poucas ou nenhumas fontes ou referências. Já agora, no mesmo espírito, agradeço que me apontem erros e sugiram correcções.
Actualização
28 de Abril – Depois de publicar estas notas, tomei conhecimento de que foram publicadas mais entrevistas e artigos de André Dias noutros orgãos de comunicação social. Os meus comentários não incluem, portanto, nenhuma referência a essas novas publicações.
Quando se diz que a as páginas de internet estão atafulhadas de publicidade (e estão), faz bem recordar que em 1964 não havia bloqueadores de anúncios.
Há uma cumplicidade atroz entre os governantes portugueses e a sua elite de negócios no apoio à pilhagem de Angola pelo MPLA, Eduardo dos Santos, a sua família e o sistema de repressão que os sustenta.
O que se segue é uma óbvia e clara descrição do que se passa com a relação entre Portugal e Angola, nomeadamente ao nível da cúpula política e económica. À parte do título do artigo, Marques não mais menciona, usando essa mesma expressão, o racismo encapotado dos portugueses, mas não deixa de apontar situações e atitudes degradantes que se condensam, relativamente às relações dos dois Estados, nas palavras do próprio, da seguinte forma:
Disponibiliza-se todo o afecto necessário para o dinheiro e para os recursos angolanos, e nenhum afecto para o povo. Buscam-se todas as justificações para defender o sofrimento dos angolanos como algo natural, decorrente da guerra, do seu estado “africano”.
Qualquer um que leia o artigo, ou que esteja minimamente a par da realidade, vê como há muita condescendência por parte de alguns de nós, e muito cinismo numa real politik que beneficia demasiados interesses pessoais para ser, de facto, uma politik. E, obviamente, a breve descrição que faz da colonização, com a escravatura que mais tarde se transforma em servidão, não traz nada de novo.
O que é, para mim, novo, é o raivoso rol de comentários que se segue. Em geral, as caixas de comentários de jornais online não são os locais mais higiénicos para se deambular, mas o que lá está escrito faz com que seja totalmente desnecessário o artigo de Rafael Marques: bastava o título, o resto brota com facilidade.
Francamente, acho que o Bloco de Esquerda peca por não ir até onde deveria ir. Dever esse que é de todos os supremos defensores do politicamente correcto asséptico, como se quer nos dias de hoje. Pessoalmente acho que se trata de um caso de “revolucionarismo reprimido”, mas agora não estamos aqui para falar dos humores psico-emocionais latentes do Bloco.
O facto é que, lendo o Projecto de Resolução nº247/XIII/1ª, constatamos a notória falta de empenho do Bloco (e a incapacidade de não dar erros ortográficos ou escrever sem gralhas abismais). Várias vezes aludem ao Conselho de Ministros, numa clara e negligente falta de consideração pelas ministras Maria Manuel Leitão Marques, Constança Urbano de Sousa, Francisca Van Dunem e Ana Paula Vitorino.
No entanto, o mais grave é a falha de consistência ideológica latente, que demonstra a falta de coluna vertebral para defender o que realmente interessa. Não é óbvio que para a efectiva «eliminação do sexismo na linguagem e a promoção de uma linguagem que reflita o princípio da igualdade de género» o problema está efectivamente no sexo e no género? Uma linguagem nunca deixará de ser sexista sem abolir a referência ao género. No fundo o género em si mesmo «não respeita a identidade de género». Só se pode garantir a independência da identidade de género abolindo o género! Já demonstrámos, sem margem para dúvidas, que não é o órgão sexual que define o género, como se passou até agora, nessa obscura idade média vivida desde os primórdios da humanidade até ao dia em que o BE entrou na Assembleia da República. O género é produto da complexidade do ser e como tal não pode ser espartilhado em compartimentos ideológico-refractários! O género ou é um contínuo de valores, ou tem de deixar de existir!
Para tal proponho a seguinte solução: acabemos com o género na linguagem! Assim sendo:
os artigos definidos “a” e “o”, “as” e “os” desaparecem dando lugar a “ê” e “ês”;
os artigos indefinidos “um” e “uma”, “uns” e “umas”, desaparecem dando lugar a “ên” e “êns”;
os substantivos, adjectivos e pronomes impregnados de género devem ser purgados das suas terminações discriminatórias que serão substituídas por “e” ou “es”. Por exemplo:
“carro” passa a “carre”
“outros” passa a “outres”
“num” passa a “nên”
Aqui ficam alguêns exemples dê nove linguagem revolucionárie:
Ê Marie e ê Manuele foram comprar rebuçades e outres guloseimes a ên café lá dê bairre.
Ê Conselhe de Ministres deliberou ên projecte de resolução em que se delibera ên nove regime contributive para ês contribuintes que dêem êm donative para ês selecções nacionais de futebol e pole aquátique.
Sugere-se que ê nove lei seja apresentade aês portugueses peles embaixadores Pedre Paulete e Jorge Jesus.
Saudações revoluvionáries.
As sondagens parecem claras: a maioria dos portugueses não gosta e não quer os actuais governantes. E no entanto o governo vai, muito provavelmente manter-se. A culpa, essa pode ser repartida, começando pelo facto de a oposição não ter a mínima capacidade de diálogo para criar uma alternativa que efectivamente reúna o descontentamento. Fazer política é isso mesmo: gerir.
Mas se no Domingo António Costa e o PS não ganharem, ficará à vista de todos a inépcia política destes, mas – pior – vislumbrar-se-á a incapacidade de perceberem o país.
António Costa foi propalado como génio da política (por exemplo, no Contraditório da Antena 1, às sextas-feiras, Raúl Vaz todas as semanas diz que António Costa é o mais competente político português, mesmo sendo da área política oposta – ou terá sido estratégia psicológica?), mas desde o primeiro ataque à liderança do PS que se tem vindo a revelar uma nódoa. Costa foi de faca ao largo do Rato e voltou de lá assobiar, corado, como menino mal comportado. Na política, sabemos, há facadas a toda a hora, mas se é para fazê-lo, que se faça com determinação e manifestando capacidade de liderança. Costa só voltou à carga quando Seguro estava prostrado no chão, mexendo-se pouco, já morto aos olhos de quase todos. E o aparelho depois recompensou o novo líder com uns soviéticos 96% dos votos o que só mostra que os aparelhos também não são nada do qual alguém se deve sentir orgulhoso.
Mas pior que tudo é o facto de nem Costa nem sus muchachos terem efectivamente percebido os portugueses. Do &conomia à 4ª, no Expresso:
Quatro anos depois, os desequilíbrios macroeconómicos estão muito pior do que há quatro anos. A dívida pública aumentou de 108% para 130% do PIB, a dívida externa líquida de 82% para 105%. A direita subiu ao poder prometendo ajustar os desequilíbrios macroeconómicos da economia portuguesa, mas conseguiu apenas empobrecer o país, deprimindo a produção e fazendo alastrar as falências e o desemprego.
O articulista Alexandre Abreu argumenta com factos, indiscutíveis, mas com a mesma interpretação do PS, afirmada no seu programa: estamos hoje piores do que há quatro anos. Vamos lá ver uma coisa: Sócrates foi péssimo, mas nem tudo foi mau, e qualquer pessoa há-de valorizar, por exemplo, o Simplex, ou a política de ciência. E no entanto, sem margem para dúvidas senão nas cabeças dos mais facciosos, os governos de Sócrates deixaram-nos na bancarrota (seja por acção própria, seja por contribuição de factores externos). Durante os quatro anos de governo da coligação parou a sangria – há que reconhecê-lo. Sim, como afirma Alexandre Abreu, os números são piores, mas qualquer pessoa que veja os gráficos dos números vê que em 2011 a tendência destes parâmetros era crescente (ia ficar pior fosse quem fosse que lá estivesse) e que durante o tempo de governo da coligação as tendências melhoraram (efectivamente reduzindo a velocidade a que estavam a agravar-se em muitos casos, noutros invertendo mesmo a tendência). Se em muitos casos em termos absolutos estamos pior, a verdade é que em muitos dos números e valores estamos com tendências positivas. É melhor estarmos a desacelerar, mesmo se ainda a viajarmos um pouco mais rápido, do que continuar com com o pé no acelerador em direcção à parede, à espera da colisão certa. Em 2011, o acelerador ainda estava bem a fundo. É tudo obra do governo? Provavelmente não. A conjuntura, embora longe de famosa, está melhor aqui, como em Itália, França ou Espanha, mas não é possível ignorarmos que algo foi feito.
Se é verdade que a maioria dos portugueses está a sofrer, também é verdade que a maioria percebe o que se passou. O PS tinha que reconhecer estes dois factos: que foram os seus governos passados que nos puseram na trajectória financeira e que durante estes últimos quatro anos efectivamente se estancou a sangria. Depois o PS teria de ter alegado que a gestão da coligação foi má, que fizeram opções e decisões erradas, que não foram eficientes na gestão da coisa pública, e finalmente teria de ter apresentado alternativas (e não só antes da campanha) que os portugueses pudessem equacionar. Aquilo que o público recebeu foram mensagens contraditórias: uma negação completa do trabalho do governo e propostas que não se assemelham aos portugueses como suficientemente diferenciadoras. Eu como cidadão sinto-me desiludido pelo facto do maior partido da oposição não se comportar com responsabilidade, demonstrando uma atitude construtiva, mas antes escolhendo o caminho da birra. Eu queria alguém que me tivesse dito: certo, o governo cumpriu o processo da Troika, mas fê-lo mal, pelas razões A, B e C, e nós vamos pegar no que está feito e melhorar. Agora, Costa e o PS estão entre as proverbiais espada e parede: aqueles que querem soluções efectivamente distintas e mais drásticas, acolhidos de braços abertos pelo PCP e pelo BE, e aqueles que, por via das dúvidas, consideram o PSD-CDS como o mal menor, ou pelo menos o mal já conhecido. Se alguns preferem o potencial bem ao mal conhecido, muitos não se dignam a ouvir, sequer, aqueles que não são merecedores de confiança, porque a verdade é que imediatamente antes da coligação estava lá o PS.
Costa e o PS não conseguem coligar-se com outros para criar uma solução de governação que vá buscar força aos mais de 2/3 de portugueses descontentes com o Governo. Costa e o PS não conseguem atrair votos suficientes para eles próprios constituírem uma solução. Se no Domingo for isto o que acontece, só tem um nome: falhanço em toda a linha. Espero estar enganado.
Se há escriba copioso, na nossa praça, ele é João Lemos Esteves. E se não o conhece, aqui ficam as suas próprias palavras, quando em 2010 começava a Politicoesfera no Expresso:
João Lemos Esteves. Finalista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Blogger desde 2008, com especial incidência no youtube, desde Fevereiro de 2010. Militante da Juventude Social-Democrata. Embora considere que a independência de pensamento e a liberdade de análise são indispensáveis a uma intervenção cívica plena.
“Passos Coelho: Esperança Portugal!”
“A saga de Rui Rio: um guia para um final infeliz!”
“Marcelo Rebelo de Sousa: o próximo Presidente da República portuguesa!”
“Diário Universidade PSD: Vítor Gaspar discorda (subtilmente) de Passos Coelho!”
“Cavaco Silva reconhece que Marcelo Rebelo de Sousa será um Presidente melhor!”
Alguns títulos de artigos de João Lemos Esteves
Não vou aqui entrar em discussões acerca da sagacidade do autor, da pertinência dos argumentos, ou da qualidade da retórica, mas como cientista e engenheiro de formação, tenho o hábito de olhar para números. Em cerca de 4 anos e meio, Lemos Esteves produziu 481 artigos, o que, tendo em conta só os meses em que escreveu, significa pouco menos de 10.5 artigos por mês. Como blogger, talvez não seja assim tanto. E como opinion-maker também não. O Miguel Esteves Cardoso, pese embora o facto de essa ser a sua profissão, já vai em 18 crónicas em Maio e ainda faltam dez dias para acabarmos o mês.
Sendo prolixo, aquilo que me deu vontade de analisar a obra Lemos Estevesiana foi a tipologia dos títulos. Aqui ficam os resultados da compilação:
Quando começou a escrever regularmente na imprensa, Lemos Esteves apresentava-se perante os leitores sobretudo declarativo, não deixando de se mostrar por vezes interrogativo e outras exclamativo, numa mistura bem equilibrada. Mas à medida que amadurece como cronista, Lemos Esteves deixa de lado a declaração e a interrogação não cresce; Lemos Esteves tornou-se um exclamativo! Nestes anos o autor interrogou-se 122 vezes, afirmou 152 e exclamou 207. Desde que começou a colaborar com o Sol, não há mês que Lemos Esteves não exclame em menos que metade das crónicas.
Ora, João Lemos Esteves é, por ventura, o homem mais exclamativo de Portugal. Será que conviver com ele será semelhante a conviver com Ken Dove, o homem eleito por duas vezes como a pessoa mais interessante de Dorking?
Anda tudo desvairado. Nova edição da PACC – a prova que os recém-encartados potenciais professores têm de passar para poderem candidatar-se a dar aulas no Ensino Público – e está tudo a gritar. É injusto, é inútil, os professores são burros. Há opiniões para todos os gostos. Resolvi fazer a prova. Fiz duas, a de Dezembro de 2014 e a de Dezembro de 2013 e em duas vezes tive o resultado de 30 respostas certas em 32. Depois vim rever o que da prova estava a ser dito.
Antes de mais há que contextualizar: a prova, promessa eleitoral do ministro Crato, pretende ser uma barreira na entrada para a carreira de professor. Há anos começaram a aparecer as Escolas Superior de Educação (ESE) privadas, que passaram a receber, entre outros, quem não tinha média ou lugar para os cursos na Escola Pública. Sem querer generalizar, muitas destas ESE começaram a formar professores de qualidade duvidosa, mas que saíam com médias altas. Estes professores passariam, mais tarde, à frente de professores com médias mais baixas. A questão não é de agora: em 2006 a vice-reitora da universidade de Coimbra sugeria esta prova aos ministros da Educação do governo PS e, três anos depois, o secretário de Estado da Educação dizia:
(…) que “não tem absolutas garantias” de que a formação prestada por todas as instituições de ensino superior “corresponda aos padrões de qualidade exigível” à profissão docente. Pedreira adiantou que existem “indícios” de facilitismo e eventual inflação de notas em alguns cursos, e citou os casos da Escola Superior de Educação Jean Piaget, e do Instituto Superior de Ciências Educativas, ambos privados, onde se formou um terço de todos os professores admitidos no sistema nos últimos dez anos. inPedreira acusa escolas de educação de facilitismo
Esta encarnação da prova tem uma componente comum, para todos os candidatos a professor, e, presumo, mais tarde uma componente específica. A componente comum tem 32 duas perguntas de resposta múltipla e um exercício de escrita de um texto de 250 a 350 palavras. É esta componente comum que está a fazer correr tinta nos jornais.
Raciocínio
A pergunta que mais tem dado que falar é a seguinte:
O selecionador nacional convocou 17 jogadores para o próximo jogo de futebol. Destes 17 jogadores, 6 ficarão no banco como suplentes.
Supondo que o selecionador pode escolher os seis suplentes sem qualquer critério que restrinja a sua escolha, poderemos afirmar que o número de grupos diferentes de jogadores suplentes
(A) é inferior ao número de grupos diferentes de jogadores efetivos. (B) é superior ao número de grupos diferentes de jogadores efetivos. (C) é igual ao número de grupos diferentes de jogadores efetivos. (D) não se relaciona com o número de grupos diferentes de jogadores efetivos.
Ora, nesta pergunta, serem jogadores de futebol, ou serem bolas do totoloto é indiferente. Para evitar confusões, vamos pegar em 17 bolas numeradas. O enunciado diz que se vão repartir as bolas em dois grupos, um de 6 bolas e outro de 11 bolas. Diz ainda que não interessa a ordem das bolas. A questão é, então, relacionar o número de diferentes grupos de 6 bolas com os diferentes grupos de 11 bolas que se podem fazer.
Como o diagrama acima demonstra, se trocarmos uma das bolas numa das caixas (1 pela 12, no segundo caso), obtemos um grupo diferente em cada uma das caixas. Como a ordem não interessa, a cada grupo de bolas numa caixa corresponde um e só um grupo na outra caixa. Logo a resposta é a (C).
O enunciado talvez não seja o mais transparente, mas é assim tão rocambolesco? Olhando para as reacções, talvez seja mesmo!
Excepto se a palavra “grupo” designar um conceito matemático universalmente conhecido, a pergunta não faz sentido. Grupos de quê? De jogadores de ataque, de médios, de defesas? Grupos dos que jogam no estrangeiro e dos que, por acaso, jogam aqui? Não se sabe e não existe maneira de descobrir ou de responder. O dr. Crato perdeu a cabeça.
E se a palavra “grupo” designar “conjunto de pessoas ou objectos”, como o que vem no dicionário? Jogadores de ataque, de defesas?!
No meu caso, essa questão ficou rapidamente resolvida graças à fórmula matemática que descreve o número de combinações de um grupo de P pessoas escolhidas entre um total de N pessoas. Mas concedo que, sem ela, talvez não tivesse chegado à resposta tão depressa ou sequer percebido a pergunta.
Discordo Ana, mesmo sem a fórmula, qualquer pessoa pode lá chegar. De certa forma havia pistas: o exame é para todos e para ser feito sem calculadora…
Nos comentários do Público alguns concidadãos vociferavam:
“ (…) o desgraçado do professor terá de saber que no futebol só pode se pos usar um suplente um só vez no jogo, se esse jogador/suplente que está a jogar depois for o banco já já não pode entrar de novo para o jogo. É uma pergunta imbecilizada de quem pariu a prova e que pensa que todo o mundo sabe as leis e regras do futebol.”
“Convenhamos que na primeira questão o erro reflecte algumas ambiguidades, já que para responder acertadamente, é necessário que o candidato tenha um mínimo de conhecimento quanto à formação de uma equipa de futebol.”
Afinal parece que este exercício não é assim tão fácil. Talvez quem já tenha feito deste tipo de exercícios esteja mais habituado, mas a verdade é que está lá tudo no enunciado.
Outra pergunta:
A Júlia saiu de casa para visitar uma amiga: andou 1 km para oeste, 500 m para noroeste, 300 m para oeste, 500 m para sudeste e, por último, 1 km para sul.
Para voltar a casa pelo mesmo caminho, a Júlia necessita de andar:
(A) 1 km para sul, 500 m para sudoeste, 300 m para oeste, 500 m para nordeste e 1 km para oeste. (B) 1 km para sul, 500 m para sudeste, 300 m para oeste, 500 m para noroeste e 1 km para oeste. (C) 1 km para norte, 500 m para nordeste, 300 m para este, 500 m para sudoeste e 1 km para este. (D) 1 km para norte, 500 m para noroeste, 300 m para este, 500 m para sudeste e 1 km para este.
É difícil, esta pergunta? Não, é elementar, e acho que saber os pontos cardeais não é um requisito desumano. Só acertaram 44.7%
Cultura geral
De entre as pergunta, duas delas, pelo meio de interpretação de textos, perguntavam conhecimentos de cultura geral. Num desses textos, em que o narrador ia ao café de uma qualquer terra portuguesa falar com um suposto herói da guerra recém-chegado do campo de batalha em Armentières, mencionavam-se soldados alemães e ingleses, trincheiras enlameadas e fogo de metralhadora.
A pergunta pedia para seleccionar de entre quatro períodos temporais (1875–1900, 1900–1925, 1925–1950, 1950–1975), qual deles se referia aos acontecimentos descritos no texto. Será demais querer que um professor saiba minimamente o que foi a Primeira Guerra Mundial, a única guerra mundial em que Portugal participou e cujo centenário foi amplamente comemorado nos meios de comunicação no ano que ainda agora terminou?
Noutra pergunta, lia-se no texto que precedia a seguinte frase:
Nos anos seguintes, e durante quase todo o reinado de D. João V, a Inquisição teve o cuidado de justificar a sua existência com autos de fé copiosos.
e a questão de escolha múltipla:
De acordo com o texto, durante o período mencionado, a Inquisição (A) apresentou relatórios a D. João V. (B) copiou modelos de outros países. (C) produziu diversos textos religiosos. (D) realizou muitas cerimónias públicas.
Será demais querer que um professor saiba que autos-de-fé eram cerimónias públicas destinadas a que os hereges fossem penitenciados?
Em nenhum destes casos houve mais de metade dos examinados a responder correctamente.
Deficiências
A prova está bem construída? Sinceramente não sei. Não me parece inteiramente descabida, mas há, claramente, deficiências. O grupo de questões onde se inseria uma das outras questões com menos de 30% de respostas certas (por curiosidade, eu acertei nessa, mas errei nas duas outras desse grupo), baseava-se num texto cuja tradução deixa muito a desejar. Aqui dou razão a Pulido Valente – «em inglês, “material” não significa o que o autor da PACC manifestamente julga». Também «concentrar muito entusiasmo» não é brilhante tradução de «summon much enthusiasm». E concordo com Luis Miguel Queirós em “Português dos redactores da PACC não cumpre os requisitos mínimos”, no que diz respeito a esta pergunta. Ainda que seja uma edição da Gulbenkian, este texto é obscuro e a tradução má. Porquê escolher isto? É inadmissível.
Prova escrita
Não fiz a prova escrita, por razões óbvias, mas não me parece nada de extraordinário. São entre 250 a 350 palavras, para fazer um comentário à seguinte frase:
Como a prensa de Gutenberg, a Internet e as redes sociais permitem que muito mais gente seja capaz de comunicar mais depressa e com mais pessoas, mas isso não implica que a informação que circula seja melhor e mais útil.
Não vou entrar pela questão dos erros ortográficos, embora segundo consta, erros por escrever com a ortografia certa – aquela a que chamam de antiga – não contavam. Mas vou comentar a estatística que diz 21,9% dos examinados teve cotação 0 (zero)! Mais – do grupo de examinados que tentavam o exame pela segunda vez, 27% teve cotação zero nas duas tentativas. Ora, o que significa cotação zero:
Resposta ilegível
Resposta com extensão inferior a 150 palavras
Resposta com extensão superior a 450 palavras
Resposta em que se verifica um afastamento integral do tema
Resposta que não atinge o nível 1 de desempenho
O nível 1 de desempenho:
– Respeita parcialmente a instrução no que se refere ao tema.
– Produz um texto com uma estrutura pouco adequada à tipologia proposta.
– Apresenta a sua perspetiva de forma ambígua e defende-a através de uma linha argumentativa pouco articulada e/ou pouco coerente.
– Manifesta um domínio lexical limitado (com pouca variedade, mas sem incorrer em impropriedades que comprometam o sentido global do texto).
– Manifesta um domínio limitado dos mecanismos de coesão textual (com pouca variedade, mas sem incorreções que comprometam o sentido global do texto).
Ou seja, para ter zero é preciso muito esforço. Não vi, é certo, o que os zeros escreveram, mas vou aceitar o que os correctores tenham seguido estes critérios de correcção. Adiante
Resumindo e concluindo
Fiz duas das provas e, sinceramente, embora o português de algumas das questões seja duvidoso e haja uma escolha de um texto inadmissível, a verdade é que não penso que a prova seja assim tão extraordinária. Apresenta um mínimo de questões que testam um pouco de raciocínio, de cultura geral, de interpretação e de capacidade de produção escrita.
A PACC suscitou muitas reacções: já citei a de Pulido Valente, contra, o António Santos, que diz que já temos bons professores e esta não é mais do que uma manobra resultante do desprezo do governo pela classe profissional dos professores. O próprio IAVE, responsável pela implementação da prova, está, de forma um tanto ou quanto surreal, contra ela, afirmando que “este tipo de provas ignora aquilo que é essencial na acção docente” temendo que os futuros cursos de professores os passem a treinar para passar esta prova (ensinando os pontos cardeais, presume-se)! Outros aproveitam para desancar nos professores, sabendo (presumo), que estes ainda não são professores, mas querendo com certeza generalizar. Ou seja, há opiniões para todos os gostos e cores políticas.
A PACC gera melhores professores? Certamente que não? A PACC consegue prever quais os candidatos a professores que vão ser melhores educadores? Claro que não. Então para que servirá a PACC?
Ao Observador, João Pedro da Ponte, director do Instituto de Educação, da Universidade de Lisboa faz a seguinte mirabolante afirmação:
[A PACC] “não está concebida para avaliar o trabalho das instituições”. Quanto muito, continuou, estes erros e a percentagem de chumbos revelam que “o nível de formação no ensino básico e secundário não é o adequado”. E se o indivíduo for passado no secundário, estamos indevidamente a atribuir culpa ao ensino superior”, explicou, acrescentando que os alunos “saem bem preparados” das instituições de ensino superior para dar aulas.
A sério? Vêm mal-preparados do secundário, mas bem preparados do ensino superior? Querem ver que ainda posso vir a ser jogador do Real Madrid?!
O já famoso Mário Nogueira afirmou:
“Gostava que os pais dos alunos se dessem ao trabalho de ir à página do Instituto de Avaliação Educacional [IAVE] na internet e lessem a prova. Será que ficavam mais descansados por entregar os filhos a um professor que tivesse passado naquela coisa?”, questionou, nesta terça-feira, Mário Nogueira, da Federação Nacional de Professores (Fenprof). Ele próprio assegura que “não”. “A PACC é de uma inutilidade completa. A não ser para afastar professores, que em Setembro, muito convenientemente para o Governo, já não aparecerão como não colocados”, disse.
Será que ficaria mais descansado por entregar os meus filhos a um professor que passasse nesta “coisa”? Só por si, é claro que não, mas sei que ficaria bastante receoso se o meu filho estivesse a ser ensinado por alguém que não passou nesta prova. Disso tenho a certeza.
O ministro deveria ter chamado a este exame “PERMID”: prova eliminatória dos que não reunem os mínimos indispensáveis para a docência. No entanto, o mais assustador é que quem foi prestar esta prova tinha acabado de terminar um curso homologado pelo Ministério da Educação. É a este problema que os sindicatos, comentadores e governantes deveriam dedicar a sua energia, como já outros bem o disseram.