8 de maio de 2020

O Dr. Dias parece que ouviu falar do meu post anterior e resolveu perguntar-me, por interposta pessoa, o seguinte:

Figura 1 – O Dr. Dias a perguntar coisas.

Depois respondeu-me aqui:

Começa por tentar desmontar o argumento de que as doenças pulmonares são lentas usando o sarampo.

Doenças Pulmonares, Doenças Respiratórias

Ora vamos lá começar: eu nunca falei em doenças e não tento desmontar nada. Apenas comentei o seguinte parágrafo do texto publicado no ECO:

Mesmo que fosse muito mau, os vírus pulmonares são sempre lentos, nunca infectam mais de 30% das pessoas por ano, não importa o “como” e “onde”. Os vírus rápidos são os vírus que estão disponíveis na pele ou secreções, que têm proteção do ambiente até ao momento de infectar um novo hospedeiro.

em que o Dr. Dias fala de «vírus pulmonares (…) sempre lentos» e «vírus rápidos que estão estão disponíveis na pele ou secreções».

Se bem entendi, o que o Dr. Dias nos está a dizer é que, em termos de chamar nomes às coisas, é o seguinte:

COVID-19: doença pulmonar SARS-CoV-2: vírus pulmonar
Sarampo: doença respiratória Vírus do Sarampo: vírus respiratório

É isso? Antes de avançar, vejamos o que alguns especialistas escrevem em revistas e manuais, acerca da COVID-19:

Coronavirus disease 2019 (COVID-19) is a respiratory and systemic illness. [fonte]

Coronavirus disease 2019 (COVID-19), caused by the novel severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2), is an acute respiratory disease that can lead to respiratory failure and death. [fonte]

Clinical features associated with patients infected with SARS-CoV, MERS-CoV, and SARS-CoV-2 range from mild respiratory illness to severe acute respiratory disease. [fonte]

COVID-19 is an acute respiratory disease caused by a newly emerged zoonotic coronavirus. [fonte]

All cases were diagnosed with laboratory-confirmed COVID-19 acute respiratory disease and were admitted to hospital. [fonte]

The latest threat to global health is the ongoing outbreak of the respiratory disease that was recently given the name Coronavirus Disease 2019 (Covid-19). [fonte]

An acute respiratory disease, caused by a novel coronavirus (SARS-CoV-2, previously known as 2019-nCoV), the coronavirus disease 2019 (COVID-19) has spread throughout China and received worldwide attention. [fonte]

COVID-19 is an acute, sometimes severe, respiratory illness caused by a novel coronavirus SARS-CoV2. [fonte]

Portanto muitos profissionais da área chamam à COVID-19 uma doença respiratória, mas segundo o Dr. Dias é pulmonar.

E já agora, o sarampo também marca presença num manual de doenças pulmonares:

Figura 2 – O sarampo num manual de doenças pulmonares.

E quanto ao virus propriamente dito? Desafio o Dr. Dias mostrar-me alguma fonte médica ou científica que faça a distinção entre “vírus pulmonar” e “vírus respiratório” [D1]. Recordo que o virus, SARS-CoV-2, de seu nome completo “Severe acute respiratory syndrome coronavirus 2” tem respiratório no nome.

A verdade é que tudo isto pouco interessa. Eu nunca disse que o sarampo e a COVID-19 não eram doenças diferentes, com características diferentes. Obviamente que o são e que atacam os pulmões de maneira diferente – o sarampo até causa manchas na pele! São duas doenças respiratórias infecciosas e sistémicas, causadas por vírus respiratórios. Mas o Dr. Dias é muito “relaxado” com as palavras e definições, algo estranho para quem é tão peremptório nas suas afirmações e que disse que a OMS «devia responder criminalmente» pela falta de rigor na sua comunicação. Nesta resposta está a tentar fazer aquilo que em inglês se chama splitting hairs. Desafio o Dr. Dias a mostrar alguma prova de que a COVID-19 é definida como uma “doença pulmonar” na literatura técnica ou científica, e por oposição a respiratória. [D2]

Ambos os vírus são vírus respiratórios: infectam o hóspede através das vias respiratórias, instalam-se primeiramente nos pulmões, e é pelas vias respiratórias que se propagam para outros hóspedes. Mas o Dr. Dias fez os seu comentário afirmando que há «vírus pulmonares» lentos e «vírus rápidos que estão disponíveis na pele ou secreções». Na sua resposta ao meu post, diz ainda:

O sarampo infecta por tosse e por contacto. Conjuga o pior de dois mundos e por isso tem a taxa de infecção mais elevada dos vírus que conhecemos.

Aqui, mais uma vez o Dr. Dias é pouco rigoroso com as palavras: o sarampo infecta «por contacto». E o SARS-CoV-2 não infecta por contacto? Que contacto é esse? Contacto com secreções respiratórias? Isso também o SARS-CoV-2. Daí andarmos todos a lavar as mãos, ou não é assim?

Acerca da transmissão do vírus do sarampo:

Transmission is typically by large respiratory droplets that are discharged by cough and briefly remain airborne for a short distance. Transmission may also occur by small aerosolized droplets that can remain airborne (and thus can be inhaled) for up to 2 hours in closed areas (eg, in an office examination room). Transmission by fomites seems less likely than airborne transmission because the measles virus is thought to survive only for a short time on dry surfaces. [fonte e fonte adicional 1].

e do SARS-CoV-2:

Person-to-person spread occurs through contact with infected secretions, mainly via contact with large respiratory droplets, but it could also occur via contact with a surface contaminated by respiratory droplets. [fonte e fontes adicionais 1, 2].

Portanto que “contacto” é esse que o sarampo têm que a COVID-19 não tem? Desafio o Dr. Dias a explicar-nos esse tal “contacto” que o sarampo tem, mas a COVID-19 não tem [D3]. Não querendo pôr palavras na boca do Dr. Dias, olhando novamente para o que ele escreveu no artigo:

Os vírus rápidos são os vírus que estão disponíveis na pele ou secreções.

Presumindo que o vírus do sarampo seja um «vírus rápido» e sendo que as secreções respiratórias dos dois vírus são do mesmo tipo, será que é por estar “disponível na pele”? Não pode… porque o sarampo não é transmissível pelas manchas na pele. [fonte]

O mais engraçado é que o Dr. Dias nunca refere o facto do vírus do sarampo permanecer em suspensão no ar, aerosolizado, e que isso é um (senão o) factor significativo (e sempre realçado na literatura) na transmissão do vírus. Sim, há poucas doenças respiratórias transmissíveis por via aérea (por aerossóis) para além do sarampo (e.g. tuberculose, varicela, varíola), sendo que a maioria das infecções respiratórias (e.g. tosse convulsa, gripe, constipação, pneumonia pneumocócica) se transmitem por contacto directo com as gotículas expiradas, o que leva a uma colonização da nasofaringe do hóspede, seguida da invasão dos pulmões. [fonte]

Mais uma vez, nunca disse que são doenças semelhantes, ou que não atacam os pulmões. Quais as características que levam o sarampo a ser mais contagioso? Não sei. Talvez sejam diferenças nas cargas virais geradas no tracto respiratório superior (a COVID-19 também a gera [fonte]). Talvez seja a própria resistência do vírus que se mantém viável nas partículas aerosolizadas.

Se o Dr. Dias tivesse dito que há virus respiratórios que se propagam mais rapidamente que outros, e que até então tudo indicava que o SARS-CoV-2 não se propagaria assim tão facilmente por não parecer ser transmissível por aerossóis; ou porque a COVID-19 se parecia assemelhar a outras doenças respiratórias pouco transmissíveis – isso era aceitável. Mas não. E se acharem que é picuinhice minha, porque o Dr. Dias claramente andava a falar da COVID-19 como doença pulmonar no resto do artigo, bem, também diz isto:

Também digno de nota (…) é que todos os picos anteriores, causados principalmente pela gripe sazonal, estão encerrados na semana 19 (…). A linha de base da mortalidade cruza a média nessa altura e representa o impacto inicial da mortalidade de doenças pulmonares no Inverno.

Portanto a gripe é uma doença pulmonar, também? Fica mais um desafio [D4].

Já agora, voltando aos tais 30%

Já que o Dr. Dias não gosta do sarampo, deixemo-lo de lado e voltemos novamente ao texto no ECO:

Mesmo que fosse muito mau, os vírus pulmonares são sempre lentos, nunca infectam mais de 30% das pessoas por ano, não importa o “como” e “onde”.

Muito bem. E mais a seguir:

Neste momento (escrito a 23 de Março), não há nenhuns dados fiáveis (…) O número de infectados pode ser o que conhecemos ou dez mil vezes maior (sim, dez mil vezes).

Hmmm. Dez mil vezes? «Sim, dez mil vezes». Será que o Dr. Dias pode estar novamente a ser pouco rigoroso? Não, nos disse que é preciso um «cuidado extremo, extremo, paranoico»? Vamos explorar. Ora, o Dr. Dias não nos disse a que número de infectados se refere. Se foi escrito a 23 de Março, olhemos então para os infectados reportados no mundo no dia anterior [fontes: números de infectados e população 1 e 2]:

a 22 de Março Infectados × 10 000 População %
Mundo 305 235 3 052 350 000 7 594 000 000 40%

Não pode ser, isso representaria 40% da população do mundo em poucos meses e o Dr. Dias diz-nos que um “vírus pulmonar” nunca infecta mais de 30% das pessoas por ano. Será na China? Ou Itália?

a 22 de Março Infectados × 10 000 População %
Mundo 305 235 3 052 350 000 7 594 000 000 40%
China 82 346 823 460 000 1 393 000 000 59%
Itália 59 138 591 380 000 60 360 000 980%

Também não pode ser, isso representaria quase 60% da população chinesa e 980% da população Italiana em poucos meses e o Dr. Dias diz-nos que um «vírus pulmonar» nunca infecta mais de 30% das pessoas por ano.

E em Portugal?

a 22 de Março Infectados × 10.000 População %
Mundo 305 235 3 052 350 000 7 594 000 000 40%
China 82 346 823 460 000 1 393 000 000 59%
Itália 59 138 591 380 000 60 360 000 980%
Portugal 1 280 12 800 000 10 280 000 125%

Não dá, não somos tantos quanto isso. E na região do Algarve?

a 22 de Março Infectados × 10.000 População %
Mundo 305 235 3 052 350 000 7 594 000 000 40%
China 82 346 823 460 000 1 393 000 000 59%
Itália 59 138 591 380 000 60 360 000 980%
Portugal 1 280 12 800 000 10 280 000 125%
Região Algarve 35 350 000 451 006 78%

Também não pode ser, isso representaria quase 80% da população algarvia em algumas semanas e o Dr. Dias diz-nos que um “vírus pulmonar” nunca infecta mais de 30% das pessoas por ano.

Ficamos, pois, sem saber a que se referem esses «Sim, dez mil vezes». Desafio então o Dr. Dias a dizer-nos a que é que se referia essa possibilidade de dez mil vezes mais casos, e como é que isso se coaduna com o limite dos 30%. [D5] .

Mais uma vez, aponto a ligeireza da argumentação do Dr. Dias, em que faz proclamações muito autoritárias, mas pouco rigorosas, que se contradizem a elas mesmo. Se os «vírus pulmonares nunca infectam mais de 30% das pessoas por ano, não importa o “como” e “onde”», como e a onde é que ele estava a referir que há possivelmente dez mil vezes mais casos de infectados do que aqueles que conhecemos?

Os gráficos

Depois a parte da análise de gráficos. Mistura gráficos de valores absolutos com gráficos de z-score para tirar conclusões. É um misto de ignorância e de atrevimento. (…)

Eu não misturei: pus lado a lado, precisamente para não misturar, mas para comparar.

Aproveito para esclarecer, os gráficos de mortalidade do euromomo por pais são em Z-score. Distâncias da mortalidade base. Como a mortalidade base já está a descer nesta altura do ano, a mortalidade aparece de forma muito dramática nos gráficos de Z-score. Uma mortalidade acrescida de 100 em Janeiro pouco altera o z-score porque a mortalidade base é alta nesse mês. Uma mortalidade de 100 acrescida em Março dramatiza muito o z-score. São ambas iguais.

Tem toda a razão o Dr. Dias! Agradeço a chamada de atenção. Com efeito, um determinado valor de Z-score numa semana do ano não representa exactamente o mesmo número de mortes excedentes que o mesmo valor de Z-score noutra semana do ano.

Mas é aí que pára a razão do Dr. Dias. Tudo o resto é um disparate pegado. Ora vejamos.

O Z-score representa, efectivamente, uma distância à mortalidade base expectável, modelada a partir de dados históricos removidos das tendências sazonais e de longo-termo.

Só temos disponíveis os número de mortes e número de mortes excedentes para o total da amostra. Mas podemos ir aos dois gráficos, por exemplo, para o segmento etário 15-64 e escolher para cada ano o Z-score e o número de mortes excedentes para as semanas 1 e 14. Se as pusermos num gráfico o obtemos é o seguinte:

Figura 4 – Mortes excedentes versus Z-score para os anos 2016–2020 nas semanas 1 e 14, faixa etária dos 15–64 anos. As linhas a tracejado são meros guiais visuais sem significado.

Ora, isto diz-nos, aproximadamente, quanto é que cada Z-score “vale” em termos de mortes excedentes. Ou, ao contrário, podemos calcular aproximadamente quanto muda o Z-score quando há uma mortalidade acrescida, por exemplo de 100 mortes. Neste caso o Z-score muda cerca de 0.8 na semana 1 e cerca de 0.9 na semana 14. E como se vê pelas relações praticamente lineares, esse diferencial de Z-score é essencialmente independente do número de mortes. Há uma diferença pequena, que é devida ao facto de em Janeiro haver, sim, geralmente mais mortes, mas como se pode ver, um pico de Z-score 10 representa cerca 1 260 mortes em Janeiro, 1150 mortes em Março.

O Dr. Dias tem razão quando diz que o Z-score depende da mortalidade base, mas o que faz a grande diferença, não é a sazonalidade (isto é, a oscilação sinusoidal e os picos anuais de gripe), mas sim o valor base mesmo: o número total de mortes. Neste caso da faixa etária 15–64 anos, tomei como referência representativa a mortalidade base total na semana 1 de 2016, que é cerca de 7 800 mortes. Se olharmos agora para a faixa etária de todas as idades, a mortalidade base total nessa semana é de cerca de 54 000 mortes. O mesmo gráfico para a faixa etária de todas as idades fica assim:

Figura 5 – Mortes excedentes versus Z-score para os anos 2016–2020 nas semanas 1 e 14, em todas as idades. As linhas a tracejado são meros guiais visuais sem significado.

Mais uma vez vemos uma quase linearidade da variação do Z-score com o número de mortes excedentes e apenas uma pequena diferença entre as duas semanas. Neste caso, quando há uma mortalidade acrescida de 100 mortes o Z-score muda cerca 0.16 na semana 1 e cerca de 0.18 na semana 14 – um factor de cerca de 5, quando comparado com a faixa etária dos 15–64 anos. Isto deve-se, novamente, ao número da mortalidade de base total e ao facto do algoritmo de cálculo de Z-score ponderar a mortalidade base com uma lei de potência com um expoente de 2/3. Se fizermos o mesmo exercício com as faixa etária 0–14 anos, obtemos, como seria de esperar pela ponderação, um factor bastante maior: uma mortalidade acrescida de 100 mortes muda o Z-score cerca 5.6 na semana 1 e cerca de 5.5 na semana 14.

Portanto, isto que o Dr. Dias diz é falso:

Uma mortalidade acrescida de 100 em Janeiro pouco altera o z-score porque a mortalidade base é alta nesse mês. Uma mortalidade de 100 acrescida em Março dramatiza muito o z-score. São ambas iguais.

não dramatiza nada – desafio o Dr. Dias [D6] a contradizer-me e demonstrar, com números e contas mesmo, que eu estou errado e ele está certo. Esta de se esconder atrás do «É preciso o básico dos básicos de epidemiologia» não colhe. Portanto, mantenho que se pode comparar o pico do inverno de 2014/2015 com o do surto de COVID-19 na primavera de 2020:

Figura 6 – Sim, podemos comparar o pico da primavera de 2020 com o do inverno 2014/2015.

Primeiro aparte: não digo que se tenha de ir aprender sobre o algoritmo do EuroMOMO, mas basta ler um bocadinho sobre os objectivos do projecto para se chegar à conclusão que o objectivo da introdução da Z-score é precisamente para se poderem comparar séries temporais, e entre países, já que o grau de disponibilidade de dados absolutos dificulta essas comparações directas. Dramatizar o que quer que fosse nulificaria esse objectivo. Segundo aparte: basta não ser cego para pôr lado a lado um gráfico de mortes (ou excesso de mortes) e Z-scores para ver como as características dos picos se mantêm, não havendo nenhuma “dramatização” – o propósito é mesmo esse.

Mais; voltemos à Itália. Como não temos os dados dos números de mortes só para Itália, podemos tentar estimar quanto é que cada Z-score “vale” em termos de morte excedentes. Para tentarmos calibrar a mortalidade base total, consultando este artigo, vemos que na semana 1 de 2016 havia cerca de 20 mortes por 100 000 habitantes (faixa etária de todas as idades). A população italiana em 2016 era cerca de 60,67 milhões, logo, a nossa referência representativa da mortalidade base total na semana 1 de 2016 para Itália é de 12 134 mortes. Usando a lei da potência para determinar a ponderação, isso dá-nos que cada 100 mortos excedentes correspondem sensivelmente a um aumento de Z-score de 0.42.

O pico na semana 14 de 2020 tem Z-score 22.66, logo com a estimativa acima isso corresponde a um excedente de mortes igual a 5 300 nessa semana. Não será a estimativa mais exacta, mas está na ordem de grandeza do reportado por outros. Sendo que em 2014 inteiro (e não só no pico da gripe no inverno) houve 54 000 mortes excedentes (fonte), um valor semanal correspondente a 10% do valor anual é significativo.

É preciso o básico dos básicos de epidemiologia para se lançar a falar de epidemiologia.

Talvez. Mas é mais importante perceber o processo matemático que gera os gráficos primeiro antes de dizer barbaridades.

O benefício do tempo

Como afirmei no primeiro post, até pode ser que o Dr. Dias venha a ter razão em algumas das suas considerações, como o facto de, por ventura, se ter podido deixar as escolas abertas, à luz do que se conhece hoje. Mas o Dr. Dias afirma tudo categoricamente e prova muito pouco. Disse-nos que «havia muito tempo para (…) observar como evoluía a epidemia e decidir de acordo com essa evolução, racionalmente e em conta peso e medida», mas ele próprio não seguiu o seu conselho. A verdade é que já podemos começar a acertar algumas contas, pelo menos de forma parcial. Ainda é cedo para se concluir sobre as taxas de letalidade, mas nos EUA, na última década, a época mais mortífera de gripe causou um número de mortes estimado em 61 000 (95 000, se usarmos o extremo do intervalo de confiança a 95%). Em cerca de 2 meses a COVID-19 terá morto já 76 000 pessoas, a um ritmo que teima em manter-se sensivelmente nas 1 500 a 2 000 mortes por dia

O Dr. Dias também disse que:

É banal um aumento de 140% de mortalidade, em Bergamo, em relação ao ano passado, dada a época amena de gripe.

Ora, o Instituto Nacional de Estatística italiano publicou há dias um relatório sobre as mortes no primeiro trimestre (realce meu) [fonte]:

the most affected provinces by the epidemic recorded three-digit percentage increase of deaths in March 2020, compared to 2015-2019 average: Bergamo (568%), Cremona (391% ), Lodi (371%), Brescia (291%), Piacenza (264%), Parma (208%), Lecco (174%), Pavia (133%), Mantua (122%), Pesaro and Urbino (120% ).

Desafio [D7] o Dr. Dias a dizer-nos o que é que isto tem de banal.

Para concluir

O Dr. Dias escolheu dois pontos que achou por bem responder-me. Curiosamente escolheu não mencionar nenhuma dos outros erros que eu lhe apontei. Ao longo deste texto desafiei o Dr. Dias sete vezes a vir provar as afirmações ou implicações que fez de forma errónea. Deixo aqui mais uns desafios para o Dr. Dias rebater, repescados do meu primeiro post para facilitar a leitura. Mas com fontes e referências, mesmo. Não vale ser só a amuar e a dizer que os que o criticam não percebem nada de epidemologia.

[D8] É falso que a cremação seja obrigatória, como o Dr. Dias afirmou:

Os corpos têm de ser cremados [em Bergamo, Nova Iorque e Madrid] por ser doença formalmente contagiosa de notificação

[D9] É falso que a curva dos casos de infectados chineses seja uma gaussiana («exactamente simétrica») como afirmou:

Figura 7 – O Dr. Dias a dizer coisas numa entrevista no YouTube.

[D10] Prove esta afirmação feita na entrevista ao Qi News:

(…) porque há relatos de médicos[chineses] em Outubro que queriam já contactar OMS.

[D11] É falso que todos os países, com excepção da Coreia do Sul tenham durações do início do crescimento exponencial até ao pico de casos novos de 12 a 15 dias (contra-exemplos: EUA, Itália, Espanha, Reino Unido, Mexico), como afirmou aqui:

Todos os países, com excepção da Coreia do Sul agora, apresentam curvas teóricas perfeitas com 12 a 15 dias até ao pico de casos novos, depois de entrar em exponencial (…).

São 11 desafios bem enumerados. Havia mais, mas fico-me por aqui, com uma citação do Russell:

The fundamental cause of the trouble is that in the modern world the stupid are cocksure while the intelligent are full of doubt.

Agradeço a quem me comunicar erros que possa ter feito (mas não vale dizer que eu sou burro porque nunca estudei epidemiologia).

8 de maio de 2020

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