29 de janeiro de 2004

Neste mundo em que vivemos quase já não há heróis. Quer dizer, há-os, mas não são quem deviam ser. Já não há batalhas que produzam grandes generais, a ciência permite cada vez menos o trabalho individual, os líderes carismáticos são cada vez mais raros. Quem admirar?

Sobre o fenómeno que acompanhou a morte de Miklós Fehér, há uma questão pertinente. Porquê? Como é que tanta gente deixou os seus lares, os seus afazeres, para ir com a família prestar uma última homenagem ao jogador. E porque é que isto não aconteceu com o atleta Carlos Calado que perdeu a família num trágico acidente doméstico, ou às vítimas dos incêndios do verão, ou a qualquer outra pessoa que tenha morrido desta ou doutra maneira?

Bem, há o fenómeno da mediatização. Uma morte em directo é a morte em directo. É chocante. Mas para mim a verdadeira razão não é essa, embora ajude. Para mim, a razão é um pouco de egoísmo. Como? – perguntarão.

Fehér, caso tivesse tido a oportunidade iria provavelmente ter uma carreira mais ou menos boa e aos trinta e tal anos estaria reformado da sua profissão, com muito dinheiro e um resto de vida considerável para o gozar. Tal não aconteceu. Fehér era a projecção que muitos tinham daquilo que queriam ser: era um rapaz bonito, alto, loiro, com uma carreira promissora, numa profissão de sonho. Era tudo aquilo que nós consciente ou inconscientemente gostariamos de ser ou de ter como amigo, ou familiar. Assim a morte de Fehér foi a morte duma parte de nós, duma parte da família, dum sonho. E é por isso que as pessoas reagiram como reagiram.

É assim que também explico a reacção do 11 de Setembro – à parte de toda a cobertura mediática, aquelas pessoas que vimos morrer eram civis, tal como nós, e que viviam numa cidade de sonho, tinham família, tinham boas carreiras, trabalhavam num lugar bestial, era manhã de um dia solarengo.

Os milhares de Bam eram provavelmente quase todos pobres, viviam longe do centro do mundo, num sítio poeirento. As criancinhas esfomeadas em África, coitadas, mas sorte a minha de não ter nascido lá.

É por isso que as pessoas reagiram como reagiram. Não penso que seja hipocrisia, é meramente uma reacção à perda de algo que sempre consideraram ser deles. Os seus sonhos, os seus heróis.

Eu também fui dizer adeus a Fehér.
Mas tenho ainda mais umas razões, além desta, que um dia explicarei.

29 de janeiro de 2004

9 pensamentos em “um bocadinho

  1. Se realmente é como dizes, é um egoismo e uma falta de solidariedade e humanidade ainda pior!
    Em relação ao Feher concretamente e ao que se passou em Portugal, aí digo mesmo que é uma hipócrisia! Se muitos pensam como o Scheeko e estão incluidos no primeiro parágrafo outros certamente que não.
    A grande maioria das pessoas que marcaram presença no estádio para assistir ao velório do “qualquer-coisa Feher” deveu-se, na minha opinião, ao facto de terem assistido ao acontecimento pela televisão e de terem sido massacrados pelo sem fim de repetições sucessivas do acontecimento. Foi chocante, sem dúvida, mas “uma vida é uma vida”, seja ela perdida em directo ou não.
    Contámos ainda com a decadência dos espectáculos televisivos. A televisão (e os restantes media), nos seus suplementos informativos, devem dar noticias e serem imparciais!
    O Feher era um jogador mediano ou um bocadinho acima da média que não era titular no benfica. O Paulo Pinto era um dos melhores jogadores portugueses de basquete. Morreram ambos em directo! Morreram ambos do coração! Um foi falado durante uma semana. O outro… pouco ou nada! Porquê? Porque as televisões decidiram que haveriam de tornar o Feher um idolo ou um mito?
    Acabe a hipócrisia! Acabe o egoísmo! Acabe a falta de humanidade! Acabe a falta de solidariedade!
    E volto a citar o José Luís Peixoto: “UMA PESSOA É UMA PESSOA!”
    Que o Paulo Pinto, o Feher e todos os outros descansem em Paz!

  2. sara says:

    1: tb fiquei chocada, nós somos mto mais sensíveis a histórias particulares e com pormenores
    2: o feher era novo, atlético, bonitinho e pertencia ao mundo do FUTEBOL!!
    isso nosso país faz toda a diferença!
    foi o q comentei com a minha mãe na altura, se vem do futebol, tem honras de presidente da republica, já se vem do básquete.. pfff.. é como se fosse do BE, ou pior, dos verdes..
    3: a única notícia televisa que me fez chorar veio mm de áfrica. tenho uma sensibilidade distorcida em relação à minha cultura?

  3. Margarida says:

    Alguns ficaram chocados porque viram alguém morrer em dto e outros aderiram ao circo benfiquista e ñ quiseram perder a oportunidade de aparecer na tv e há sp a curiosidade morbida d querer assistir ao sofrimento dos outros.

  4. Eu concordo inteiramente com o ponto 2 da Sara. Embora haja mais algumas razões que não referi no post e que todos vós salientaram (mas também não concordo com todas! =) )

  5. O Cherbackov também era novo, bonitinho, e pertencia ao mundo do futebol. A diferença foi que o acidente não deu em directo e o Cherbackov não morreu… “só” ficou paraplégico!
    E se bem que foi mais falado que o Paulo Pinto, a reacção do “povo” não foi nem parecida com a que tiveram com o Feher!

  6. Desculpem ser em posts diferentes, mas o que disse no anterior foi só para mostrar que se por ser do Mundo do futebol influencia a reacção das pessoas, não por ser uma profissão de sonho nem nada dessas teorias malucas do scheeko, mas simplesmente pelo que é, e pelas pessoas que atrai, não é menos verdade que o facto de ter morrido e em directo influencia as pessoas da mesma forma! Claro que a cobertura televisiva ainda influenciou mais!
    FIquei ainda mais impressionado depois de reler o excerto que passo a citar:
    “Fehér, caso tivesse tido a oportunidade iria provavelmente ter uma carreira mais ou menos boa e aos trinta e tal anos estaria reformado da sua profissão, com muito dinheiro e um resto de vida considerável para o gozar. Tal não aconteceu. Fehér era a projecção que muitos tinham daquilo que queriam ser: era um rapaz bonito, alto, loiro, com uma carreira promissora, numa profissão de sonho. Era tudo aquilo que nós consciente ou inconscientemente gostariamos de ser ou de ter como amigo, ou familiar. Assim a morte de Fehér foi a morte duma parte de nós, duma parte da família, dum sonho. E é por isso que as pessoas reagiram como reagiram.”
    Bem sei que vivemos uma crise de valores do tamanho do universo, mas Graças a Deus nem todos pensam assim! Um amigo vale por quanto “amigo” ele é! Se é loiro ou chinês, rico ou pobre, jogador de futebol ou pedreiro pouco interessa! Espero que esse não seja o teu pensamento…
    Ou as mentalidades mudam, e passamos a ter uma atitude com a vida e com tudo o que nos rodeia diferente, ou arriscamo-nos a tornar no animal selvagem mais frio e violento que alguma vez existiu! (já não falta muito…)

  7. João, claro que não estou a dizer que um amigo deve ser escolhido por ser bonito e rico, mas se tiver essas características, além de ser bom amigo ainda é melhor. É só isso que digo.
    É por isso que as princesas nos contos de fadas as princesas e os príncipes são sempre lindas, mesmo que ao princípio comecem como “monstros”. E o que são os contos de fadas? Projecções das nossas fantasias…
    O que nós temos na cabeça são fantasias. Claro que tu queres casar com uma mulher que seja amiga, leal e te ame. Mas se ela for bonita, ainda melhor.

  8. Scheeko, nos contos de fadas a princesa é bonita para casar com um principe tb ele bonito!
    Para começar o bonito ou feio é muito subjectivo, mas adiante… (Vê o Schrek ;p)
    O importante é da questão é que para casares tens que, além de achares a tal pessoa uma melhor amiga, sentires-te atraído fisicamente por essa mesma pessoa… Se não houvesse a componente física não passaria duma amizade… Num amigo, parece-me que isso é COMPLETAMENTE irrelevante. Nem nunca me passou pela cabeça, achar que é melhor um amigo ser bonito e “ser jogador de futebol”! Mas que diferença é que isso faz, NUM AMIGO!? Por Amor de Deus… é RIDICULO!
    Na minha opinião, é claro!!!

  9. Daniel Vidal says:

    A mediatização ainda não é totalitária. Continuamos a resistir a algumas coisas, pelo que os médias não podem passar seja o que for. Ainda para mais há a concorrência, o que torna as coisas ainda mais complicadas para eles.
    Mas uma morte em directo num jogo de futebol!! de certeza que os médias andaram todos às turras para a transmissão da homenagem.
    … Não chorei Fehér, isso é puro massoquismo…
    Scheeko, curto bué o teu blog! Visita o meu (ainda só pesa 3 kilinhos).

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