24 de janeiro de 2006

O Mérito de Manuel Alegre



O discurso e a acção de Manuel Alegre tiveram sobretudo dois grandes méritos: o de activar um movimento de cidadania e, mais ainda, de demonstrar que há interesse e vontade que eles existam. Foi uma campanha descolada da máquina partidária em si, e o elan gerado foi a prova de que existe um descontentamento generalizado, profundo e grave com a maneira como a democracia partidária é feita. Sobretudo um sentimento de que não resulta. Cavaco ganhou de forma clara, a meu ver, por a sua imagem estar envolta, além de outras ideias, num mito de independência e distanciamento (verdadeiros ou não) do sistema. E acho também que foram Alegre e Jerónimo que conseguiram que a vitória de Cavaco não tenha sido mais expressiva. Apesar de não serem novos per si, como nenhum o era, Alegre mostrou uma certa irreverência que foi bem acolhida.

O Demérito de Manuel Alegre

Há que ser dito que o movimento de cidadania de Alegre só existiu porque foi chutado pelo Partido Socialista. Talvez seja essencialmente uma questão de fé política, mas o discurso de Alegre não me convenceu. Não que em teoria não seja um dos melhores, especialmente na questão formal de como é feita política, resultando de um movimento aglutinador supra questiúnculas partidárias. Porém nada me garante que a cidadania Alegre não foi mais que uma reacção de raiva ao aparelho PS que o ostracizou. O que é um facto é que Alegre é um cidadão com mais poder que os restantes, é deputado à Assembleia da República e na altura de manifestar a sua voz, como na questão do orçamento, fugiu. E é aí que está a sua incoerência, aquilo que me fez não acreditar na sua boa vontade. Tudo se vai revelar agora: Alegre não vai fazer rigorosamente mais nada. O suposto movimento de cidadania vai diluir-se. Eu exorto para que não, espero que não, mas temo que sim. De facto, um movimento de cidadãos é mais fazível numa eleição presidencial, já por definição não partidária. Mas que voz poderão ter numa eleição legislativa, ou mesmo numa autárquica num fenómeno geral e não localizado? Três anos são muito para um suposto movimento resistir se não tiver uma estrutura organizada e coerente. Ninguém se lembrará de Alegre & Cia. nas próximas legislativas. Não me convencem que esta campanha não foi um hobby e que Alegre vai regressar alegremente à sua cadeira no hemiciclo. Gostava que não.

Se efectivamente resistisse, o tal movimento deveria bater-se por criar um espaço de debate, sondagem de intensões, organização de um plano claro e objectivo e, caso chegasse a conclusões divergentes dos demais partidos (como se supõe, pelo teor do comunicado na campanha), ter a coragem de levar a acção em frente, distanciar-se verdadeiramente da estrutura instalada e mostrar que tem, efectivamente uma proposta alternativa. Acho que o mais importante da campanha Alegre foi mostrar que existe mercado eleitoral para uma alternativa ao sistema actual. E se política da tecnocracia economicista da combinação Governo-Presidência da República não resultar (que, infelizmento, acho que não vai resultar por Sócrates não ir tanto ao fundo quanto seria possível e Cavaco eventualmente vir a ter pouco poder – espero estar enganado), esse mercado alargará seguramente muito. E aí, para além de um bom plano (que não havia), o discurso patriótico – mesmo mais que discurso, verdadeiro apelo e involvência, – um tal movimento cívico poderá vir a tornar-se uma real alternativa. Mas acho que Alegre não o fará.

24 de janeiro de 2006

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