25 de fevereiro de 2008

Hoje o tempo é escasso, mas quero deixar um texto muito bem escrito pelo Daniel. O Daniel é um amigo meu, colega de curso, e desde Setembro do ano passado anda a viajar pela América do Sul.

Confesso que me tenho sentido um pouco revoltado com a situação por estas bandas. A falta de conhecimento, as falhas na educação das pessoas ultrapassa o tolerável. Não culpo tanto as pessoas, mas mais um sistema de ensino que não funciona ou que provavelmente não se interessa em funcionar. Professores de inglês que não sabem falar inglês é um bom indício de que algo está errado.
Por aqui, expresso-me sempre em português de Portugal. Esforço-me para falar devagar de modo a ser compreendido, mas falo o português de casa. Fico admirado quando me perguntam se sou alemão (até porque me pareço muito com um alemão). Muitos acham estranho quando digo que sou português, pois pensavam que “português” era apenas o nome de uma língua e não tanto o nome dado aos habitante de um país, Portugal. Envergonho-me quando tenho que explicar ao brasileiro onde fica Portugal. Explico da seguinte forma: “sabes onde fica Belém?” e aí normalmente vejo uma cara como de quem já ouviu falar mas não sabe muito bem. “Pois então partes de Belém, atravessas todo o mar até ao outro lado e aí és bem capaz de chegar a Portugal. Fica a milhares de kilometros daqui.”. Não me arrisco a muito mais do que isto. Nós, portugueses, estamos bem habituados a que não saibam onde fica o nosso país. Mas que o brasileiro não tenha sequer ideia de que o país existe, isso já é mais complicado de aceitar. Eu não peço a ninguém que se eduque. Por exemplo, nem me passa pela cabeça censurar um elemento de uma tribo amazónica por não saber que a terra é redonda. Por outro lado, quando vejo aqui as pessoas com grandes telemóveis, toda a gente com um endereço email e com uma conta no orkut. Gente vaidosa viajando com cinco pares de sapatos. Gente que embora tudo isto não tenha a menor ideia acerca da história do Brasil a não ser o que compreende da televisão, das telenovelas. Gente que pergunta a espanhois se são paulistas. Enfim… confesso que me enche de revolta, não pelas pessoas, mas por um sistema com graves falhas. O que sabem acerca de Portugal é o que o Jô Soares transmite. Ou seja alguns estereotipos, a história do “Ora ora, pois pois…”. Sempre que digo que sou português, lançam-me um “Ora ora pois pois”. É que acham que nós constantemente dizemos essa frase desprovida de sentido. Fazem por vezes também um pequeno sorriso, lembrando-se duma ou outra anedota acerca de portugueses estúpidos e ignorantes. O que é aliás bastante irónico, tendo sobretudo em conta a pessoa com quem falo.
Quando é a hora da telenovela, o Brasil pára em frente à televisão. É frequente chegar a um restaurante a essa hora e dar-me conta que o “garçon” não me liga nenhuma porque está absorto na novela. O telejornal é sensacionalista a níveis inimagináveis. O Big Brother é rei aqui. Em São Luís, quis comprar um livro. Dirigi-me a um centro comercial, encontrei alguns alfarrabistas. Procurei lá livros, mas era quase tudo ou espiritual ou de autoajuda. Não me interessou. O meu amigo, israelita, claro que não ia comprar um livro em português e não ia encontrar um livro em hebreu. Perguntou se havia livros em inglês. Disso nada. Em nenhuma parte conseguiu encontrar um só livro em inglês. Mas é que nem pensar. Dirigi-me a um centro comercial. Cheio de lojas de roupa de marca. Bem caras por sinal. No canto mais recôndito do centro, lá encontrei uma livraria. Só um livro me chamou a atenção, pois não sou muito virado para livros espirituais ou religiosos. Sorte foi ser um bom livro a que já me referi noutro artigo. Em Santarém, também procurei um livro. Lojas de tudo encontrei eu. É o regresso às aulas: cadernos por toda a parte. Mas livros… não. Uma livraria só: livros escolares, espirituais e de autoajuda. Se calhar não procurei nos sítios certos. Ou então, estarei mal habituado?
Vendo e conversando com as crianças, a revolta aumenta mais ainda. As crianças são curiosas. No barco, juntavam-se à nossa volta com perguntas, querendo saber mais. Encontrei um mapa do mundo com o qual dei uma lição de geografia a um miúdo de 13 anos. Este jovem, inteligente, não tinha medo de fazer perguntas, e via-se a vontade que tinha de aprender. Infelizmente. A mim pareceu-me um desperdício. Não imagino as suas capacidades sendo aproveitadas. Muitos dos passageiros não estavam apenas de passeio: muitos deles iam para Manaus começar uma nova vida. Um ia para a Guyana Francesa recomeçar do zero. Encontra-se ambição e vontade nesta gente, uma ambição e uma coragem que dão prazer de ver e sentir: a esperança na qual sabe tão bem nadar. Mas com as falhas na educação, as possibilidades oferecidas a esta gente acabam por ser limitadas.
Torna-se ainda pior quando me apercebo que a ignorância é mais que tudo uma ferramenta política, uma ferramenta de opressão. Fomentada e financiada. Dão-lhes futebol, cachaça e sexo. Não é necessário mais nada para viver uma vida tranquila.
E no meio de tanta ignorância, não é de admirar a total falta de respeito pela natureza. Os outros passageiros do barco atiravam lixo borda fora com total desprezo. Beatas, latas de cerveja, garrafas de plástico, tudo… não importava nada. Porque não atirar as coisas para o rio: não há entraves. O desprezo era tão grande que não havia nada a dizer, nada a fazer; mesmo que tentasse dizer a alguém para não fazer isso e lhe tentasse abrir os olhos, julgo que a pessoa irá olhar para mim admirada, sem compreender porque estava eu com essa conversa. E quando o desprezo chega a estes níveis, também não admira que haja tantos lenhadores ilegáis e orgulhosos de o serem. Havia um que só falava disso no barco, bêbedo e feliz por o seu negócio ser rentável. Quando confrontado com a falta de moral da sua profissão, ele respondia que não havia problema que a Amazónia era grande e ele não iria fazer diferença. Actualmente fala-se em 40% da amazónia brasileira desflorestada, não?
Peço desculpa se neste artigo pareci um pouco arrogante. Eu tenho esperança nas pessoas, e um dos motivos desta viagem foi exactamente verificar se valia a pena. Em muitos lugares senti que sim, mas aqui os problemas estão tão enraizados, são tão profundos que só uma verdadeira revolução social poderá alterar o futuro desta gente. Acredito que educando esta gente, o Brasil e o Mundo mudarão. Mas a plebe será sempre plebe, e é assim que queremos ter as coisas, não é?

25 de fevereiro de 2008

Um pensamento em “Mundo fora, no interior do Brazil

  1. cicardia says:

    Concordo com muito do que é dito no texto. Fala-se aqui em estupidificar as pessoas, em entupi-las com entertainment e manter as suas mentes tao imersas neste frenesim de luzinhas e neons de publicidades luminosas que qualquer visão além estará desfocada, capaz de ver e compreender. Existe um sentimento geral de que as coisas não estão bem, mas calma, agora tenho de ver a novela.
    Só acho lamentável, nós, os ocidentais, os “cultos”, os do velho continente, não percebermos que essa manipulação do povo brasileiro é basicamente a mesma que temos em Portugal, em Espanha, etc. (ja agora, um pequeno bon bon, http://www.youtube.com/watch?v=PLxnjov3Gg8&feature=related a proposito do tema o ocidental vai a X e ve algo que considera chocante)
    Não me agrada essa legitimidade do “nós é que estamos certos” (peço desculpa se exagero mas é a sensação com que fico). O ocidente e tudo o que o representa está profundamente corrompido, a própria democracia que tentamos impingir nos outros povos, sejam eles governados por ditadores ou não, também ela é uma enorme falácia. Os media já foram comprados há muito. Como pode existir democracia com exemplos como o magnata Australiano, agora Norte Americano, Rupert Murdoch e o seu império da Fox?
    Quem são os Europeus de hoje que nem alerta estão para acontecimentos como a constituição europeia e para o seu impacto directo nas nossas vidas. Eu falo por mim, tenho 21 anos e sinceramente vejo a constituição europeia como uma enorme falácia e com aspirações a super estado europeu. (aproveitando a deixa: http://resistir.info/europa/constit_anexos_port.html vejam, comprovem, tirem as vossas proprias conclusões).
    Todos temos a nossa luta e sinceramente vejo os Europeus como gente que nem sequer percebem onde estão metidos, acham que mais ou menos vamos lambendo as botas aos estados unidos, ou acreditam numa europa unida forte e independente que faça frente ao dolar. A verdade é que vejo o que se passa nos USA e acho que está a um pequeno passo de acontecer cá também. Terrorismo policial, manipulação dos votos, medos dos governos em fazerem-se referendos, estados opressores e cada vez com mais poderes para controlar e vigiar os individuos. Em nome da defesa nacional? ja sem querer entrar muito em teorias da conspiração, temos o caso do 11 de Setembro que sinceramente fantochada pegada, controlo das massas e legitimante para os patriotic acts I, II e III… deixem-me rir, guerras ilegais (se é que alguma é legal). Seguem-se os atentados em Madrid, seguem-se os atentados em Londres, agora de repente a policia conseguiu interceptar uma bomba que nem sequer ainda tinha sido feita pelos paquis no Raval em Barcelona. Os presos do 4 de fevereiro , também em Barcelona, a quem nem sequer os direitos de preso foram dados. Isto é o que? falam no terrorismo? usam-no como pretexto para a cada dia nos encarcerarem mais. É bom que nos preocupemos com o mundo mas vejam bem o que se passa na nossa propria zona de intervençao.
    Não sou particular defensor da democracia mas assumindo que é a melhor forma de viver em comunidade, ao menos esforço por jornalismo decente, por informar o publico. Há muita crítica a ser feita já aqui na Europa, quer seja em lisboa, porto, paris… A recente historia dos professores manifestarem-se nos aliados no porto e os oradores serem identificados pela policia nao vos preocupa? eu nao me importo que os brasileiros nao saibam que nos os portugueses fomos uns ladroes e que fomos para la roubar o que de melhor havia… sinceramente nao me importo. nao quero tornar isto num ataque mas a verdade é que vejo toda a minha geração profundamente desatenta, enrolada em alcool, tabaco, estupefacientes, ideias ridiculos e aliados a PNRs ou Frentes Nacionais. Divertindo-se, saindo aos sabados à noite, à procura de diversao, de prazeres, festejando a Babilonia pura em que vivemos à custa do terceiro mundo. Inconsciencia pura. Nunca defendi os USA mas custa-me ouvir as respostas faceis de colegas, pseudo-amigos ou simples opinadores em como “eles” sao os culpados, ou, “isto é uma merda de país”. Derrotismo puro do inicio ao fim. Alguns como eu procuram respostas indo para outros sítios, e talvez como o autor do blog que de mom. nao me recordo do nome, outros tomam posições de acção directa, de intervenção, activismo político, outro, temo que a maioria, esvaziam os seus bolsos em futilidades, deixam que os seus direitos lhes sejam roubados e ainda sorriem ao levarem com falacias e logicas basicas.
    o próprio 25 de abril? começo a pensar que esta historia de revolução pacifica, esta historia de trocar um kingpin e colocar um cartel no poder com o mesmo poder mas aplicado de forma mais subversiva é o que se tem passado pelo mundo fora. formas de ditadura, opressao, manipulação fascistas mas encobertas.
    lembro-me que sim, havia um termo em sociologia para essa historia do ocidental olhar para tudo o resto mas assumindo que o seu modelo era o melhor ou pelo menos o mais correcto. pena nao ter anotado isso nos velhos tempos da antonio arroio. mas é um problema quando um jovem, até no proprio ensino nao pode confiar ou nao pode ter em alta consideração. sempre acolhi mas filtrei muito e via um pouco a escola como um certo cheirinho do que ia ser a vida. Engole a matéria, nao faças muitas perguntas, nao va o professor nao saber responder e criar uma situação constrangedora, ou nao va ele dizer algo k saibas nao estar correcto e suscitar debate… um professor a ser corrigido por um aluno, pode ser mau. e o pior de tudo a treta de coisas ensinadas na escola, de que forma pode o auto da barca do inferno ajudar os jovens portugueses de hoje, de que forma podem as cantigas de amigo e de amor ajudar-nos a ser melhores pessoas, cidadãos? nao me admira haver tanto desinteresse.
    eu posso soar meio na ofensiva aqui, nao se deixem enganar, sou humilde, quero que me estimulem, espero ter-vos estimulado a voces.

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