19 de janeiro de 2009

Há uns tempos, enviou-me o António, um amigo meu, o artigo de Mário Crespo que em baixo transcrevo. Em geral e do que conheço, aprecio o trabalho de Mário Crespo, mas não é disso que vou falar. É só do artigo. Nele, Crespo apresenta um hipotético cenário em que todos os gestores públicos cortariam dez por cento dos seus vencimentos, assim como das despesas excessivas (nomeadamente nos previlégios e benesses associados aos lugares da cúpula). E depois termina com um “Imaginem que país podíamos ser se o fizéssemos. Imaginem que país seremos se não o fizermos.”
Não contesto que tal seria bom, óptimo mesmo. Não quero também levantar qualquer suspeita de que Crespo escreva este texto numa atitude de defesa corporativa. É minha opinião, no entanto, que nestas palavras veio ao de cima uma tendência anti-estatal omnipresente na mente colectiva portuguesa e que não deixa de ser paradoxal tendo em conta a nossa dependência histórica da mão do Estado.
Nós portugueses queixamo-nos ora que o Estado está demasiado presente na sociedade, ora que se demite dos seus deveres. Todos sabemos que sempre que algo corre mal, haverá sempre uma ponta de culpa do governo que não fez o que era da sua responsabilidade. Por outro lado, enquanto pedimos a sua intervenção, ao mesmo tempo criticamos ao milímetro todas as enfermidades de que padece. É um pouco isto que Crespo faz; porque eu poderia escrever um outro imaginem. Cá vai.

Imaginem que todos os gestores privados decidiam voluntariamente contratar trabalhadores de forma séria, sem recorrer a recibos verdes, ou sem abusar dos prazos de experiência.
Imaginem que os gestores privados, nomeadamente dos grandes bancos que agora precisam do apoio do Estado para não fazerem colapsar o nosso sistema financeiro, optavam por carros dez por cento mais baratos e que reduziam as suas dotações de combustível em dez por cento. Imaginem que os gestores desses bancos não perdoavam dívidas astronómicas aos familiares, ou que não usavam dinheiro indevido para fazer investimentos altamente arriscados, ou simplesmente que não o roubavam.
Imaginem gestores privados que não fizessem negócios através dos offshore.
Imaginem gestores privados que pusessem as suas empresas a criar produtos e mais valias de valor para vender ao mercado interno e externo, e não tivessem empresas que se limitam a prestar serviços, quando não a defraudar mesmo o Estado.
Imaginem médicos que não angariassem doentes para os seus consultórios nos hospitais. Imaginem construtores civis que não subornassem autarcas. Imaginem que estes mesmos construtores se negassem a edificar construções que denegrissem o território. Imaginem meios de comunicação imparciais e independentes, cujos donos não se subjugassem aos poderes instituidos.
Imaginem empresas privadas que tivessem consciência social e utilizassem parte dos seus lucros e/ou infra-estruturas para ajudar a comunidade. Imaginem que o faziam, por ética ou por vergonha. Imaginem que o faziam por consciência. Imaginem o efeito que isto teria na sociedade civil.

Também eu poderia dizer “Imaginem que país podíamos ser se o fizéssemos. Imaginem que país seremos se não o fizermos.” A verdade é que a realidade não é a preto e branco. Qualquer um de nós consegue fazer discurso popularucho, a puxar à lágrima e atirar as culpas para cima do Estado e dos seus funcionários. O Estado e os seus funcionários não são, com certeza, uma agremiação de santos e beatos. Mas o problema é mais profundo e está mais enraizado na nossa sociedade.

Imaginem 2008-08-04

I maginem que todos os gestores públicos das setenta e sete empresas do Estado decidiam voluntariamente baixar os seus vencimentos e prémios em dez por cento. Imaginem que decidiam fazer isso independentemente dos resultados.
Se os resultados fossem bons as reduções contribuíam para a produtividade. Se fossem maus ajudavam em muito na recuperação. Imaginem que os gestores públicos optavam por carros dez por cento mais baratos e que reduziam as suas dotações de combustível em dez por cento.
Imaginem que as suas despesas de representação diminuíam dez por cento também. Que retiravam dez por cento ao que debitam regularmente nos cartões de crédito das empresas. Imaginem ainda que os carros pagos pelo Estado para funções do Estado tinham ESTADO escrito na porta. Imaginem que só eram usados em funções do Estado.
Imaginem que dispensavam dez por cento dos assessores e consultores e passavam a utilizar a prata da casa para o serviço público. Imaginem que gastavam dez por cento menos em pacotes de rescisão para quem trabalha e não se quer reformar. Imaginem que os gestores públicos do passado, que são os pensionistas milionários do presente, se inspiravam nisto e aceitavam uma redução de dez por cento nas suas pensões. Em todas as suas pensões. Eles acumulam várias. Não era nada de muito dramático. Ainda ficavam, todos, muito acima dos mil contos por mês.
Imaginem que o faziam, por ética ou por vergonha. Imaginem que o faziam por consciência. Imaginem o efeito que isto teria no défice das contas públicas. Imaginem os postos de trabalho que se mantinham e os que se criavam. Imaginem os lugares a aumentar nas faculdades, nas escolas, nas creches e nos lares. Imaginem este dinheiro a ser usado em tribunais para reduzir dez por cento o tempo de espera por uma sentença. Ou no posto de saúde para esperarmos menos dez por cento do tempo por uma consulta ou por uma operação às cataratas.
Imaginem remédios dez por cento mais baratos. Imaginem dentistas incluídos no serviço nacional de saúde. Imaginem a segurança que os municípios podiam comprar com esses dinheiros. Imaginem uma Polícia dez por cento mais bem paga, dez por cento mais bem equipada e mais motivada. Imaginem as pensões que se podiam actualizar. Imaginem todo esse dinheiro bem gerido. Imaginem IRC, IRS e IVA a descerem dez por cento também e a economia a soltar-se à velocidade de mais dez por cento em fábricas, lojas, ateliers, teatros, cinemas, estúdios, cafés, restaurantes e jardins.
Imaginem que o inédito acto de gestão de Fernando Pinto, da TAP, de baixar dez por cento as remunerações do seu Conselho de Administração nesta altura de crise na TAP, no país e no Mundo é seguido pelas outras setenta e sete empresas públicas em Portugal. Imaginem que a histórica decisão de Fernando Pinto de reduzir em dez por cento os prémios de gestão, independentemente dos resultados serem bons ou maus, é seguida pelas outras empresas públicas.
Imaginem que é seguida por aquelas que distribuem prémios quando dão prejuízo. Imaginem que país podíamos ser se o fizéssemos. Imaginem que país seremos se não o fizermos.

19 de janeiro de 2009

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