16 de junho de 2009

Há mês e meio foi posto à venda nas bancas e de forma gratuita na internet o novo jornal português, o i. Quis deixar passar uns tempos para que os eventuais bugs fossem corrigidos e muitos foram-no. Sobre a edição impressa, não posso comentar pois não a tive nas mãos. Sobre a edição online, acho que já se podem tecer comentários. Há quem elogie a frescura ou a quebra de paradigmas, bem como a independência. Ainda é cedo, no que a mim diz respeito, para tecer comentários acerca disto. Digo, no entanto, que não sou contra jornais que tenham uma orientação política ou ideológica. Mas falemos do aspecto e do site, visto que isso, uma vez lançado, à parte de pequenos ajustes, é para ficar.
Sei que estamos na era dos new media. Os novos jornais online, particularmente este, pela propaganda feita, assumem-se como agregadores de vários tipos e formatos de informação: texto, fotografia, som e vídeo. O i dá também a oportunidade ao cidadão comum de se tornar um repórter. Apesar de ainda não ter visto grandes artigos, parece-me uma boa ideia.

A minha primeira grande crítica é ao formato textbyte. Um jornal é essencialmente composto por textos e, para mim, não se podem substituir textos por slogans. A página principal do i não é mais que isso. Percebo-o na listagem inicial, mas não no alinhamento das notícias secundárias:

Eu sei que é uma opção editorial, mas discordo. O meu design favorito é o do Diário de Notícias, que a seguir à renovação ultrapassou o Público e depois deste último se ter tornado infernal com tantos anúncios Flash que teimam em ocupar todo o campo visual. Gosto particularmente do destaque à coluna de opinião, com os cronistas bem vísiveis, algo que no Público só se tem acesso pagando e que no DN aparece relativamente escondido. Parece-me, no entanto, que a classificação das notícias em Portugal, Mundo, Dinheiro, Desporto e Boa Vida é extremamente redutora, especialmente deixando de fora áreas como Sociedade (em que a Boa Vida é só uma parte) ou, especialmente importante, a secção de Ciência, algo em que o Público foi pioneiro.
No entanto, há algo de mais fundamental que me causa desconforto. Há uma discrepância muito grande na qualidade dos artigos. Por exemplo, há boas peças, como esta da Ana Sá Lopes e da Ana Suspiro, com bons textos, bem fundamentadas, bem editadas, assim como há boas entrevistas. Em geral, a qualidade dos artigos de política nacional é bastante boa.
Por outro lado, os restantes pecam por falta de qualidade, quer editorial, quer de conteúdo. Em muitos dos casos, há uma sensação de que o jornalista mais não é que um “surfer” da internet, que se limita a traduzir e resumir mal artigos em jornais estrangeiros de referência (BBC, Der Spiegel, El País). Artigos completos e de fundo são transcritos como meras notas, com dois ou três parágrafos, terminando muitas vezes com o link do artigo original, ou um vídeo de uma estação de televisão ou do YouTube (exemplos aqui, aqui, ou aqui).
Há mais: erros de ortografia inconcebíveis na era dos correctores automáticos, como itnervenções, ou frases desconchavadas, mesmo cientificamente erradas como “Provavelmente era mesmo disso que precisava para afogar todos os suores de uma escalada pelas colinas de Lisboa no calor insuportável de Junho, bem denunciador dos estragos da camada de ozono” retirada deste artigo, num tom meio jocoso, mas num artigo que não é para ser cómico. Veja-se esta notícia, de extrema profundidade, com um perfeito enquadramento dos intervenientes (“O dirigente da Agência de Mísseis de Defesa disse” qual agência? EUA? NATO?) e o tradicional erro ortográfico: alcanca.
Recentemente, o artigo que mais me impressionou foi a peça intitulada Casa Índigo: A estranha escola onde os alunos adivinham o futuro. Talvez a minha motivação derive da resistência e confessa intolerância que tenho a tudo quanto seja oculto, místico e new age, mas a análise é meramente à forma e ao conteúdo do artigo. Em primeiro lugar, não há qualquer contextualização crítica ao fenómeno das crianças índigo. Apenas ficam os textbytes dos interessados no assunto: “Estas crianças são o resultado da evolução da espécie.”, ” …entre os vários tipos de índigos, existem os interdimensionais…”, vagos e sem nenhuma corroboração. À parte duma menção a uma polémica com a autorização dada pelo Ministério da Educação à instituição, pouco se refere acerca do que defende este movimento, para informar os leitores que não estão ao corrente, e não é obtida nenhuma contra-opinião para confrontar os factos ali mencionados, o que costuma ser boa prática jornalística. Tal era devido aos leitores, num artigo que faz promoção a uma instituição e a uma doutrina (?) mais que questionável. Mas será que faz promoção? Não sei: nota-se em todo o artigo um tom ligeiramente inquisitivo e até jocoso, pelo menos omisso e pouco rigoroso:

“‹‹Vá lá, concentre-se! É uma luz branca que começa a vir daqui››, insiste Sofia, enquanto aponta, excitada, as pernas do filho. Mas Diogo continua a parecer um miúdo como os outros.;

“O caminho de regresso a casa é feito de olhos franzidos. A tentar descobrir as auras das árvores do caminho. Sem sucesso.”;
“E não existe um diagnóstico mais concreto? ‹‹Sim, existe! Há uma série de testes que fazemos, vemos as suas reacções perante algumas situações, conversamos com eles››, explica Teresa Guerra.”

Uma breve deambulação pela wikipedia dá-nos a conhecer as críticas e o cepticismo que esta crença (pois não há quaisquer provas) enfrenta. Um bom artigo, jornalisticamente rigoroso, mencionaria esta oposição, traria aos leitores o contraditório.

16 de junho de 2009

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