6 de abril de 2010

A militância pela militância, embora por vezes poderosa, tem pouco de interessante. O vazio do ateísmo é tão vazio como o vazio religioso, sendo que o vazio do ateísmo é solitário, enquanto que o religioso é acompanhado.

Haverá, certamente, muitos tipos de ateísmos e o meu provém indubitavelmente da evolução do pensamento humano sobretudo devido ao avanço da ciência. E sendo racional, tem pouco a ver com o pragmatismo e hiperrealismo que muitos lhes querem atribuir.

O ateísmo é apenas uma face de uma atitude que se quer muito diferente de um mero prospecto em branco. A palavra fundamental para descrever o ateísmo que defendo é evolução. A mesma de Darwin, que se manifesta no mundo natural, entre as espécies, mas que também opera a nível de consciências, sejam elas individuais e colectivas, e a nível de dinâmicas comportamentais que emergem de sistemas complexos. A espécie humana, a certa altura, parece-me, precisou de lidar com as capacidades que o seu desenvolvido cérebro lhe oferecia. Parte dessas capacidades exigiam a obtenção de explicações para o mundo que a rodeava e o mecanismo evolutivo que permitiu colmatar as falhas de processamento mental foi o da criação de uma solução satisfatória e transitória chamada Deus. Como o período de transição é grande — é preciso que ocorra o desenvolvimento de instrumentos capazes de auxiliar na procura de outra solução — há espaço para que desabrochem comportamentos e atitudes derivadas.

O ateísmo que defendo é, portanto, fruto de uma evolução dos tais instrumentos, que embora não dêem respostas definitivas, vão no seguimento de uma estrutura formal de desenvolvimento de conhecimento e permitem a formação de conjecturas, ou talvez apenas educated guesses.

O ateísmo como evolução, é-o na forma imaterial, isto é, não é fruto das pressões evolutivas ambientais por si só — o cérebro humano terá evoluído muito pouco ou nada nos últimos milénios, — mas fruto da evolução da estrutura de pensamento humano, dos desenvolvimentos colectivos no domínio do conhecimento objectivo e na auto-educação da consciência.

O ateísmo que defendo não pretende a erradicação do conhecimento humano empírico. Nem todo o conhecimento é científico e os milénios de religião têm-nos ensinado sobre a nossa própria natureza, as nossas necessidades. A evolução será feita com a selecção das aprendizagens aí obtidas.

O ateísmo reconhece a necessidade que o espírito tem do metafísico e do espiritual. Isso não implica a presença do sobrenatural, mas implica a necessidade da existência da dúvida, da dúvida subjectiva, pessoal e contemplativa.

O ateísmo reconhece a necessidade lógica e racional do funcionamento do mundo, embora nisso esteja previsto a emergência de padrões de complexidade que permitem a consciência, um elemento, por agora, metafísico, que lida com as particularidades da essência humana, ou a níveis mais básicos, dos animais.

O ateísmo reconhece a inexistência de um Bem ou de um Mal universal, mas apenas de convenções humanas, em que, por exemplo, o Bem humano é convencionado como o conjunto de acções que promovem a vivência feliz e segura da maioria dos elementos duma comunidade. A prevalência de uma ligeira tendência para a bondade da sociedade emerge da dinâmica complexa da coexistência dos indivíduos, em que as sociedades globalmente boas tendem a ser mais estáveis e eficientes do que as más. Penso que isto não está provado cientificamente, trata-se apenas de uma teoria minha; faço ainda notar que existem e existiram sociedades globalmente más (nazis, estalinismo, o Iraque de Saddam etc.), temporariamente estáveis, mas cuja estabilidade foi de curta duração, quando comparada com as sociedades globalmente boas, maioritárias no mundo actual. Aí se operou selecção natural e evolução.

O ateísmo reconhece a existência do desconhecimento humano, tal como a religião, mas não reconhece a existência de um conhecimento supranatural. Isso implica a presença da tangibilidade do desconhecido, não pela sua inacessibilidade supranatural, mas precisamente por ser natural e se encontrar, nas escalas do universo, a um degrau acima, ou degrau abaixo. No entanto esse desconhecido pode e deve ser sempre formalizável como objecto de estudo, ainda que meramente potencial, já que não existem, ainda, os instrumentos necessários para o colocar como problema em toda a sua integridade.

O ateísmo concede mais direitos e deveres ao homem, sendo que ambos coincidem no conceito de responsabilização. Ao homem é-lhe retirado o comando divino, sendo que lhe cabe a ele mesmo o destino.

O ateísmo é a promoção da dúvida existencial quantificável, procurando respostas que obedecem aos mesmos critérios da ciência e aguardando serenamente quando essas respostas não são possíveis numa dada altura do tempo.

O ateísmo implica o reconhecimento da materialidade e insignificância humana, rejeitando o antropocentrismo das religiões, mas celebrando as capacidades que possuímos. Não implica um desespero pela inexistência de propósito sobrenatural capaz de responder à questão da existência humana, mas sim a responsabilização de cada um, individual e colectivamente, na construção de mecanismos capazes de nos tornar aptos a lidar com os cérebros que temos, que abominam a ausência de causalidade.

O ateísmo em si não é nem pode ser o princípio de nada, nem o fim a alcançar. O ateísmo é apenas um passo na evolução humana, nomeadamente no raciocínio e na consciencialização das nossas capacidades e da nossa posição no universo. Como evolução é e será sempre, resultado do que existe para trás e nunca poderá ignorar isso.

É este o ateísmo que quero*

*exceptuando se me tiver esquecido de alguma coisa

6 de abril de 2010

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