15 de dezembro de 2011
No A Douta Ignorância, o Rui Passos Rocha interroga-se sobre os hábitos alimentares e de restauração dos americanos.
Vivendo nos Estados Unidos, acho que posso dar uma ou outra contribuição, de experiência própria. Refiro que vivo em Boston, num sítio onde há poucos gordos e a consciência é grande em tudo o que se refere a bio, orgânico, saudável, etc.
A verdade é que a fast food não é mais cara que uma refeição saudável. Nominalmente, como indica a infografia do New York Times, sim, é, mas a alternativa implica cozinhar em casa e isso tem um investimento temporal significativo (além do cozinhar, há ainda que fazer a limpeza e antes disso, ir comprar tudo) e muitos americanos consideram esse investimento como elevado:
The core problem is that cooking is defined as work, and fast food is both a pleasure and a crutch.
NY Times
Depois há ainda o que eu chamo a infantilização da comida. A grande maioria dos americanos, mesmo que compre os ingredientes e cozinhe em casa, não vê espinhas no peixe, cabeças no camarão, ossos na carne, a não ser nos T-bones e nas “Chicken Wings” (as verdadeiras, porque há algumas que nem sequer ossos têm). As uvas não têm grainhas e as melancias não têm caroços. E depois há a adocificação dos pratos: honey glazed, sweet and sour, caramelized. Tudo estratégias que, directa ou indirectamente, tornam este tipo de comida mais apetecível e mais fácil de agradar. Isto sem falar das promoções, cupões e outras técnicas de marketing.
This addiction to processed food is the result of decades of vision and hard work by the industry.
A seguir, o Rui Passos Rocha questiona a possibilidade de se mudar os hábitos das pessoas:
Uma alternativa a isso será mudar todo o sistema económico de modo a que todos trabalhem menos horas e haja tempo para refeições prolongadas
Isso é o equivalente ao pedir que se “mudem as mentalidades”, porque, de facto, o próprio conceito de comer é muito diferente do português. Comer é muito menos um acto social – ao almoço não é mais que uma necessidade fisiológica – e desde pequenas que as crianças são ensinadas assim. Isto agrava-se em ambientes de trabalho em que as pessoas comem em frente ao computador, ou pelo facto de muitos jovens saírem de casa muito cedo e cedo deixarem de comer comida normal.
Finalmente apresenta a ideia de «tornar rápida a slowfood»:
Uma ideia, que nunca vi aplicada (o que significa uma de duas coisas: que de tal modo brilhante que tive uma ideia absolutamente nova; ou que sou um idiota e isto seria a ruína para qualquer negócio), seria a de tornar rápida a slow food: um restaurante permitiria a reserva online de lugares, com pré-pagamento, e essa reserva seria tão mais cara por quanto mais tempo o cliente o lugar. Seria como no pré-pagamento de assentos de autocarro: quem marca sabe de antemão que lugares estão disponíveis e a que hora.
Como a comida foi reservada, à hora determinada pelo cliente o almoço/jantar está pronto e ele tem os 15, 30 ou 45 minutos que reservou. As refeições seriam saudáveis e os pedidos personalizáveis pela internet. E claro, os preços seriam ligeiramente mais baixos do que os da fast food. Tenho apenas sérias reservas quanto à marcação do tempo: se um cliente excedesse o seu tempo e outro tivesse direito a ocupar-lhe o lugar, ele teria de ser obrigado a terminar a refeição a meio…
Embora não seja o mais comum, existem muitos sítios que já fazem reservas dessa maneira (o online é banal, no que diz respeito aos lugares, não tanto quanto ao pedido em si). Lembro que é raro que um restaurante deixe ocupar uma mesa reservada antes de todos os comensais chegarem ao restaurante. Alguns têm até limites de tempo, mas são mais prolongados e geralmente apenas para evitar que os clientes passem a tarde na varanda, ou algo de semelhante.
No entanto, relativamente ao sentar, penso que a questão é a seguinte: a partir do momento em que alguém se senta e é servido, passa a pagar gorjeta. Aí incluem-se imediatamente 15% a 20% a mais para o criado. Na verdade, não há o hábito de se sentar à mesa ao almoço, a não ser em restaurantes de baixo custo, em que não há criados, nem mesas marcadas, nem reservas.
Mesmo sem a gorjeta, um restaurante que cozinhe comida “normal”, terá ainda de incluir o custo de produção, confecção e logística, que não estão incluídos nos preços da mera compra de ingredientes mostrado na infografia do NY Times.
But I sense a significant accounting error: They omit the cost of labor for the home-cooked meal and include it in the fast-food alternative, which comes begging to be inhaled immediately, no postprandial dish-doing necessary.
Mother Jones
Ir comprar produtos ao mercado tem um custo, que é minimizado na produção em massa e por toda a economia de escala por detrás das grandes cadeias. Embora não tenha dados concretos, imagino que essa larga escala não é compatível com comida de qualidade. E penso que tudo acaba por passar por aí: aliando o preço baixo à falta de disponibilidade para cozinhar, decréscimo da sofistição alimentar e diminuição do aspecto social do acto, para um americano, a fast food é a comida mais barata.
Odeio dar gorjetas.
Eu também! E as contas que se têm de fazer…
Não me importo muito! Mas tem que se fazer contas!
Boa Chico! Gostei de ler! Estando por cá consegue-se perceber muito melhor!
O que me faz mais impressão é a diferença de preços no supermercado entre produtos não processados e comida não processada. A comida não processada é muito mais cara! Principalmente nos vegetais!
Custa-me a perceber que seja só o mercado a funcionar, por exemplo nos enlatados de legume e os legumes frescos.
Enfim gosto da definição comfort food! Ri-me um bom bocado quando a ouvi. Em Portugal temos quase sempre comfort food! 🙂
errata: produtos processados e comida não processada!
Sim, acho que o acto de comer é muito mais acarinhado lá do outro lado. Provavelmente necessário numa sociedade, mas “eficiente”, mas na minha perspectiva, não aquilo que me interessa.