20 de setembro de 2013

Pela costa do Pacífico acima, entre Los Angeles e a São Francisco, e porque seguíamos na companhia de uma pessoa não portuguesa, íamos procurando os vestígios da emigração lusa. No meio de tanto espanhol é difícil, mas imbuídos dum nacionalismo jocoso lá íamos tentando desencantar raízes. Tudo começara com Juan Rodríguez Cabrillo, ou antes, João Rodrigues Cabrilho, o primeiro explorador europeu da costa californiana, ainda que ao serviço de Espanha, cujo nome designa a porção da estrada US 1 ao longo da costa entre Santa Barbara e São Francisco.

A certa altura essa pessoa sugeriu que se parasse na Duarte’s Tavern – porque já tinha ouvido elogios – para irmos comer uma das famosas tartes. Duarte – não é nome que possa ser espanhol. Pelo menos não nos veio nenhum Duarte espanhol à cabeça, pelo que tinha de ser português. A história da taberna, que tenhamos visto, não mencionava grande coisa sobre uma possível luso-descendência – algo estranho, já que as comunidades emigrantes tendem a assumir-se com orgulho, pelo menos quando já estão bem integradas. Sabíamos que existe uma enorme comunidade luso-descendente na costa Oeste – menos concentrada, geograficamente, que a da Nova Inglaterra, mas quase tão grande – e olhando para os retratos das quatros gerações de Duartes que desde 1894 gerem a taberna, não havia grande margem para dúvidas. A confirmação veio com um retrato: cowboys, numa fotografia a preto e branco do final do século XIX ou início do século XX, uma dúzia deles, todos alinhados e com os nomes escritos por baixo. Além de Duartes, havia Bettencourts e os famosos Enos. Lembrei-me da história do professor Onésimo, que aqui segue:

Causou-me sempre espécie o facto de encontrar nas listas telefónicas de Fall River, New Bedford e Providence o nome Enos (com o). A princípio julguei tratar-se de mais um erro de ortografia, possivelmente por culpa do burocrata dos serviços de emigração, como aconteceu com Cardoza, Oliviera, Viera, Ferriera, Mediros, entre tantos outros. A minha surpresa surgiu quando descobri que as famílias que conheci com esse nome eram de origem micaelense. Ora, em São Miguel, «Enes» não é um nome vulgar e nem sei mesmo se existe. Conheço-o na Terceira, no Pico e em São Jorge, mas não em São Miguel. Há meses, numa conferência da série que o Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros da Universidade de Brown promoveu sobre a história da presença portuguesa nos Estados Unidos, encontrei um luso-americano reformado (engenheiro, esteve destacado na base aérea das Lajes na década de 50), que dedica muito do seu tempo livre a investigar vestígios da presença portuguesa na América do Norte. A propósito, referi-me de passagem ao facto de os portugueses já não mudarem de apelido, como faziam antigamente, muitas vezes a seu próprio pedido. «Não é verdade!» – reagiu o senhor Amaral. «Ainda há meses chegou aqui uma família de São Miguel, e os familiares, que já cá estão há muitas décadas, disseram-lhes que deveriam mudar o apelido, porque em inglês o que correspondia ao seu apelido português era “Enos”». Perguntei então ao meu interlocutor: «E qual era o apelido português dessa família?» «Inácio» – respondeu-me.

Caí em mim e naquele momento resolveu-se-me o mistério: «Enos» deveria ser nada mais nada menos do que a transcrição fonética de «Inácio» pronunciado à micaelense «Inóce», que terá naturalmente sido como o funcionário da imigração americana há muitos anos registou por escrito o som que lhe foi transmitido por alguém da família e que, como era comum, provavelmente não sabia escrever, daí ter simplesmente ditado o nome.

Onésimo T. Almeida, Comunidades portuguesas dos Estados Unidos; identidade, assimilação, aculturação

Para quem tiver interessado sobre a história da taberna, uma peça da NPR aqui. E as tartes eram mesmo boas!

[Foto: Frank e Maria Duarte, emigrantes portugueses que em 1894 compraram por doze dólares em ouro um terreno em Pescadero, CA, que incluía uma taberna. via NPR da Colecção da Família Duarte]

20 de setembro de 2013

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