22 de agosto de 2012
Há semanas, um artigo no Público e um post do Vasco Mina no Cachimbo de Magritte, suscitaram a minha curiosidade acerca dos números do acesso ao ensino superior, nomeadamente as vagas disponíveis e os candidatos. Em particular, o Público destacou o seguinte:
“O aumento do insucesso escolar no 12.º ano levou, de novo, a uma redução do número de candidatos ao ensino superior. O número de estudantes que se candidataram na 1.ª fase do concurso nacional de acesso, que terminou na sexta-feira, é o mais baixo desde 2006. (…) Em declarações ao PÚBLICO, o presidente da Comissão Nacional de Acesso ao ensino superior, Meira Soares, indicou que a quebra de candidatos “já era esperada”. “Há menos estudantes a conseguirem concluir o 12.º ano e, portanto, há menos candidatos ao ensino superior”, explicou. Foi o que sucedeu também no ano passado.”
Uma das questões que coloquei a mim mesmo foi a seguinte: que papel têm a natalidade e o número total de alunos nestes valores? Sabemos que a natalidade tem vindo a decrescer, portanto o número de alunos disponíveis deve ser menor. Será só a dificuldade nos exames que influencia o acesso à universidade? Para tal resolvi experimentar fazer um modelo que dissesse quantos alunos acabam o ensino secundário, tendo por base a natalidade, e ver se há alguma relação importante.
O modelo
O modelo é simples. Pegamos nos nascimentos de cada ano (dados da Pordata) e, seis anos depois, pomo-los na primeira classe. Cada ano voltamos a fazer o mesmo e passamos a população do ano n–1, para o ano n. Para validar o modelo contra os dados estatísticos, utilizei mais dados da Pordata, nomeadamente a do total de alunos nos ensinos básico e secundário por ano. Assim, se eu somar, anualmente, a população do 1º ao 9º ano e a população do 10º ao 12º ano, tenho dados que dão alguma noção do cabimento do modelo. Usei dados de nascimentos desde 1980, mas só mostro resultados a partir de 1992, depois da primeira geração ter percorrido um ciclo inteiro. Para o modelo se ajustar aos dados, tive de introduzir alguns parâmetros, mas surpreendentemente só dois foram necessários, e penso que são lógicos:
- o número de alunos que entra no primeiro ano é aumentado em 15%. Acaba por ser um valor médio das retenções, que aumentam a população de cada classe. Este valor pode ser calculado em cerca de 20% para os últimos dez anos no ensino básico, olhando para os dados de alunos transitados, e cerca de 46% (menos uniforme, variando entre 60% em 1990 e 30% em 2010). De qualquer maneira, no o meu ajuste manual, cerca 15% foi suficiente, talvez contabilizando nesse valor perdas de número total de alunos por outros motivos. Estes números referem-se apenas ao ensino público, sendo que o ensino básico privado totaliza cerca de 10%-15% do total de alunos na última década e o secundário 13%-20%.
- na passagem do 9º para o 10º ano (básico para o secundário), perdem-se 10% dos alunos, ou seja pessoas que deixam de estudar. Um cálculo rápido do quociente entre o número de alunos por ano no básico e no secundário, em dado ano, dá uma média aproximada 10.8% para este valor, sendo que, obviamente, é uma conta bastante apróximada, já que são populações diferentes.
- o parâmetro anterior é dinâmico até 1995. Antes dessa data, cada ano anterior perdia mais 8% de alunos. Ou seja, em 1994, 18% dos alunos não passa para o secundário, em 1993, 26%, etc. Não verifiquei com dados históricos a validade desta modelação, foi determinado apenas por ajuste aos dados do modelo.
Resultados
Olhando para a Figura 1, vê-se que a população no básico e no secundário são bastante bem representadas pelo modelo. A grande quebra é em 2009 quando entra em vigor o programa “Novas Oportunidades”, em que há um acréscimo de população. No entanto, muita desta população vem para “validar competências” e suspeitei que a maioria dessas pessoas não obtém esse diploma para voltar à universidade. De facto, as suspeitas confirmam-se olhando para os dados da DGES, em que não se nota qualquer flutuação anormal no número de candidatos ao ensino superior, nem qualquer necessidade de ajustamento do número de vagas em anos subsequentes.
Assim, dou-me por relativamente satisfeito com o meu modelo e tenho agora uma maneira de estimar qual é a pool de anual de alunos que podem vir a candidatar-se ao ensino superior. Note-se que este modelo não diz nada sobre a qualidade das notas das pessoas, nem das aspirações ao nível formativo daqueles que acabam o secundário. A única coisa que o modelo afirma é que há uma correspondência bastante grande entre o número de pessoas que nascem e as que frequentam o ensino básico, que após isso, cerca de 90% dessas pessoas passa para o secundário (número que estabilizou após 1995, até então vinha aumentando) e que, essas pessoas acabam o secundário, logo são potenciais candidatos ao ensino superior. A título de exemplo, o Público diz que houve 160 mil alunos inscritos para provas da primeira fase e eu previ 113 mil alunos a acabar o 12º ano. Poderia ter tentado pedir ao Ministério da Educação dados para a frequência e conclusão do 12º ano para melhorar o modelo, mas não o fiz, e também realço que não fiz qualquer optimização dos parâmetros que mencionei para além do ajuste manual e do estabelecimento aparente de concordância entre os dados.
Desta forma, este parâmetro, o número de alunos que acaba o 12º ano, não é suficiente para prever o número de vagas a serem criadas, já que há medida que o grau de instrução da população aumenta, de forma idêntica ao que aconteceu com o ensino secundário, prevê-se que aumente a proporção de alunos que frequenta o ensino secundário. Assim, a baixa de natalidade é contrariada por aumento da percentagem de alunos que prosseguem os estudos.
Há, no entanto, algumas curiososidades que se podem observar. Na Figura 2 vê-se em detalhe os resultados do meu modelo, comparado com as vagas, candidatos (1ª fase) e colocados (1ª fase), no segundo eixo dos Y (dados DGES). Vemos que as vagas têm uma tendência inversa ao número alunos disponíveis (que terminam o 12º ano). Isto significa que o Ministério da Educação/Universidades vêem ou antecipam um aumento de procura, ou seja, que, mesmo havendo menos alunos, há uma maior proporção que prossegue estudos superiors. A tendência não é clara com os candidatos/colocados. Parece haver uma correlação atenuada, entre os candidatos e as vagas, correlação que se acentua entre as vagas e os colocados. Este último ponto é em certa medida previsível, já que a oferta limita as colocações. De qualquer maneira, embora não haja vagas para todos os candidatos, o número de colocados é inferior ao número de vagas, provavelmente pelo facto de haver cursos com mais procura do que oferta e cursos cujas vagas não são totalmente preenchidas.
Manipular a dificuldade?
Resolvi, no entanto, aproveitar os dados do meu modelo e calcular os rácios de vagas por número de alunos disponíveis e candidatos por número de alunos disponíveis, sendo que o número de alunos disponíveis é o que o modelo calcula. Os resultados estão na Figura 3 e mostram coisas mais interessantes que o gráfico anterior.
Em primeiro lugar, o rácio de vagas por aluno disponível parece aumentar quase linearmente por ano. Todos os anos se aumenta o número de vagas disponíveis em 1.2% relativamente ao número total de alunos que acaba o secundário. Quase que parece que fizeram o mesmo modelo que eu e decidiram aumentar o número de vagas de forma uniforme todos os anos. Em 2000 as instituições de ensino superior só podiam acolher 30% dos alunos finalistas, sendo que, a continuar assim, em 2016, há capacidade para 50% desses alunos. Curiosamente, entre 2000 e 2008, o declive é proporcional ao do aumento do PIB per capita (não mostrado); será que é esse o factor que define o número de vagas? Voltarei a isto.
No entanto, para mim, o mais interessante é o rácio de candidatos por aluno que acaba o 12º ano. Na Figura 2 já se podia observar que as curvas era relativamente paralelas à excepção de uns saltos. Ora, aqui vê-se que claramente que parece haver períodos de tempo em que esse rácio é constante: entre 2000 e 2006, de 2007 a 2010 e, embora só haja dois pontos, o período de 2011 a 2012. Não tenho dados suficientes para interpretar e não fiz estudos da significância estatística, mas parece haver momentos de dificuldade diferente nos exames nacionais/programas. Até 2006 era “mais difícil”, entre 2007 e 2010, “menos difícil”, e desde 2011, dificuldade “intermédia”. Como disse, não tenho dados nem memória para saber interpretar se foi isto que aconteceu. Mas consultando os Público online fiquei a saber que em 2007 os exames passaram de 120 para 150 minutos. Relativamente a 2011, não sei o suficiente para apontar alterações aos exames, mas a notícia acima mencionada refere:
“Com exames mais difíceis, a percentagem de alunos que concluiu o ensino secundário em 2011 desceu de 66,8% para 63,2% – o que, obviamente, se reflectiu no número de candidatos ao ensino superior: no conjunto das três fases houve uma quebra de 7,3% por comparação ao ano anterior.”
Não sei o que tornou os “exames mais difíceis”, mas é consistente com a a minha análise. Abaixo, na Figura 4 a), mostro os mesmos dados, mas com um fundo a identificar os períodos de graus de dificuldade diferentes nos Exames Nacionais que conjecturo. À direita, por curiosidade, ponho as cores dos governos que estavam em vigor. Apesar de haver uma tendência, não há uma correlação directa, até porque muitas vezes as reformas só entram em vigor vários anos depois, podendo entretanto haver mudança de cor partidária.
Sobre as vagas
Uma consideração final, em relação às vagas. Disse o Público:
“Para já, a diminuição do número de alunos que se inscrevem pela primeira vez no ensino superior não produziu efeitos nas vagas disponíveis. O seu número sempre foi maior do que o de candidatos existentes e, apesar de este ano ter existido uma redução de 2,2% (menos 1202), existem ainda 52.298 lugares para novos alunos. Em 2011 ficaram por preencher 7884 vagas.”
E o Vasco Mina no Cachimbo de Magritte:
“(…) Mas esta notícia destaca uma outra realidade, essa sim, que impressiona: a diferença (desde há vários anos) entre o número de vagas disponíveis e o número total de candidatos. Ou seja, temos mais vagas que candidatos. Só em 2011 ficaram por preencher 7.884 vagas. Este ano existem 52.298 lugares disponíveis no ensino superior e na 1ª fase candidataram-se os já supracitados 45.383. O nr. aumentará com as 2ª e 3ª fases mas ficará sempre aquém do total das vagas. Impressiona ainda que a redução de 7% no número de candidatos em 2011 tivesse sido acompanhada, apenas, com uma redução de 2,2% no nr. de vagas para este ano. Oferta e procura estão manifestamente desajustadas! Não se trata aqui propriamente do habitual discurso dos mercados. Trata-se, tão simplesmente, de realidades que não encaixam. (…)”
Como mostrei na Figura 3, o número de vagas por aluno potencial tem vindo a subir de forma linear. Não investiguei exaustivamente como este número é determinado, tendo apenas constatado que, na última década, está bem correlacionado com o PIB per capita. Segundo a DGES:
“Quantas vagas há para cada curso em cada instituição? As vagas para cada curso em cada instituição de ensino superior são fixadas anualmente pelas próprias instituições, tendo em consideração os recursos de cada uma e subordinadas às orientações gerais estabelecidas pelo Ministro da Educação e Ciência, e divulgadas antes do início da candidatura pela Direção-Geral do Ensino Superior no seu sítio da Internet através do Guia da Candidatura ao Ensino Superior Público e do Guia da Candidatura ao Ensino Superior Privado e Universidade Católica Portuguesa.”
A política parece estar a mudar com o congelamento das vagas, mas olhando para a última década, das duas uma:
- ou há uma política de aumento vagas progressivo, correlacionado com algum dado que não sei precisar (o tal número de alunos, o PIB per Capita, etc.);
- ou há uma reacção atenuada ao número de candidatos, em que a tendência é seguida, mas de forma retardada para evitar flutuações muito grandes. Faz um certo sentido, porque mesmo que os candidatos aumentem muito, as universidade podem não conseguir responder imediatamente a aumentos de procura. Funciona como um filtro passa-baixo.
O primeiro caso seria particularmente catastrófico caso não tivesse havido o boom de candidatos entre 2007 e 2010. Mas vemos que, à excepção do mau ano de 2005, os últimos anos mostram uma tendência acentuada de desfasamento entre oferta e procura.
Conclusão e Previsões
Não tenho dados suficientes para dizer definitivamente se aquilo que observo suporta estas minhas interpretações. Mas a serem verdade, e utilizando os valores previstos pelo modelo para os próximos anos, arrisco o seguinte:
- o facto de ter havido o programa “Novas Oportunidades” não se traduz em mais pessoas a procurar o ensino superior. Não vimos aumento devido aos que certificaram o secundário e não veremos, também, aumento nos próximos anos, devido aos que certificaram o básico e que teriam, posteriormente, completado o secundário.
- não havendo alteração de dificuldade dos exames/programas, teremos uma estabilização do número de candidatos em cerca de 45.000/ano até 2017 (cerca de 40% da população que acaba o 12º ano), por ventura ainda um ligeiro decréscimo para o ano. Esta minha previsão significa que o único factor de aumento da proporção dos alunos que prosseguem estudos superiores tem sido exclusivamente a dificuldade dos exames. Em particular, não vejo influência da conjuntura económico-financeira, mas o modelo é validado com os dados relativos a 2000–2012 altura em que, verdadeiramente, só nos últimos 2–3 anos as coisas se tornaram realmente más. Há no entanto potencial para ficar pior, o que muito possivelmente faria diminuir o número de alunos que seguem para o ensino superior.
- se o número de vagas continuar a variar da mesma forma e, novamente, o grau de dificuldade não variar, a disparidade entre a procura e a oferta vai continuar a aumentar. É possível que isso não se venha a ver, uma vez que já há notícias de congelamento de vagas.
Deixo aqui, ao teste do tempo, estas conclusões e gostaria de ouvir a opinião de quem estudas estas coisas e de quem possa estar envolvido na definição de vagas nos cursos superiores.
Adenda
No seguimento do comentário do Botinhas, fui à procura das médias dos exames de Português e Matemática A. Embora no caso do Português a correlação seja muito baixa (há um decréscimo das médias sobretudo nos dois últimos anos) no caso da Matemática, a correspondência é evidente:
Conclusão? Mais uma vez, não se trata de um estudo exaustivo, nem com o rigor estatístico necessário, mas dá-me alguma confiança relativamente à conclusão que digo acima. Não estamos a aumentar a proporção de alunos que vão para o Ensino Superior, senão quando se altera no nível de dificuldade dos exames.
Parece-me que a melhor forma de avaliar a dificuldade dos exames é pelas médias.Qual é a relação entre a média dos exames ao longo dos anos, por exemplo Matemática e Português, que serão as mais transversais a todos os candidatos, e o número de candidatos ao ensino superior?
Já actualizei!