5 de outubro de 2004

As Verdades de Castells I
Manuel Castells é um sociólogo de renome mundial cujo trabalho tenho vindo a conhecer nos últimos seis meses. Conheci-o através duma entrevista na televisão, que me impressionou muito pelo carácter e personalidade que o entrevistado mostrou. Foi também a pessoa que me permitiu mudar a minha opinião em relação aos sociólogos (pelo menos alguns). O que é que faz um sociólogo? Basicamente dedica-se à recolha exaustiva, estatística e rigorosa de dados sobre comportamentos humanos e/ou do mundo da interacção humana. Depois analisa-os e tenta perceber como e porque é que esses comportamentos se dão. Para quê? Para nos compreendermos a nós próprios e aprendermos maneiras de melhorar a nossa acção futura.
Castells tem-se dedicado aos comportamentos urbanos e, mais recentemente, à influência da tecnologia na vida do Homem, nomeadamente as tecnologias de informação.
Vou aqui apresentar (em vários posts) alguns dos pontos que Castells invoca e as suas análises, por achar que tocam exactamente no ponto fulcral e são ditas de forma bastante clara e inequívoca. Comecemos pela Educação – a distinção entre o ensino superior norte-americano e o do resto do mundo.

Outra fonte de superioridade estrutural dos Estados Unidos é o sistema de investigação univesritária americano – isto é, mais de 50% das mais de quatro mil universidades e institutos superiores nos Estados Unidos. Isto é realmente essencial porque atrai alguns dos melhores talentos de todo o mundo. Recorde-se que 50% dos recém-licenciados em ciência e engenharia na América são estrangeiros e que muitos deles ficam nos Estados Unidos, onde podem desenvolver melhor as suas capacidades. O estatudo de superpotência dos Estados Unidos deriva em muito desta superioridade universitária, porque se traduz em liderança tecnológica absoluta, não apenas nas aplicações militares, mas na maioria das áreas. Isto tem a ver com o sistema institucional e, mais importante ainda, com a inexistência de um ministério nacional da educação a supervisionar e decidir o que se deve fazer.
Mas o fulcro da questão não é o carácter público ou privado da universidade. Berkeley e outros campus da Califórnia, ou Michigan, ou do Wisconsin, ou de Texas-Austin são universidades públicas, e ainda assim são grandes instituições, ao nível das melhores universidades privadas. Além disso, o MIT ou Harvard, tal como Stanford, recebem mais dinheiros públicos que privados. É verdade que os donativos dos estudantes contam e que os financiamentos privados de Princeton (os maiores), Yale ou Harvard são fontes do poder universitário; mas ajudam principalmente a bela vida das faculdades e dos estudantes, não são na verdade um factor diferencial na investigação e na inovação. Princeton e Yale estão muito atrás de Berkeley e da UCLA em pesquisa, apesar de serem muito mais ricas. É verdade que os governos e empresas dão mais dinheiro às universidades americanas do que os seus congéneres europeus, mas a razão é que estas universidades são na verdade muito produtivas e muito úteis. A sua flexibilidade, a sua autonomia, a sua gestão descentralizada, a cooperação entre faculdade e estudantes formados nos programas de licenciatura, a sua abertura intelectual, a sua resistência à endogamia, o seu ambiente de competitividade e o seu apego descomprometido aos valores académicos e de excelência acima de tudo permite-lhes, falando de uma forma geral, serem fontes de conhecimento e inovação. Se, para cúmulo, tiver uma universidade tão empreendedora como Stanford (ao contrário de Berkeley, que está muito mais agrarrada aos valores académicos tradicionais e distante do mundo dos negócios), então ter-seá uma relação natural de sinergia entre programas baseados numa universidade, no mundo empresarial e no governo. É isto que está na origem de Silicon Valley.
Será isto extrapolável para outros países? Sim e não. Em princípio não vejo razão para que a reforma institucional não possa dar-se. A universidade em que trabalho nesta altura na Catalunha, a Universidade Aberta da Catalunha, tem fundos públicos, gestão privada, contribuições privadas e não deixa de preservar os valores académicos, é flexível, é virtual e funciona muito bem. Mas é uma nova universidade fundada por um reitor empreendedor com forte apoio do Governo da Catalunha. Em muitos países – na Europa, mas até mesmo mais no Japão -, as burocracias governamentais e os interesses corporativos no mundo académico, mais as atitudes demagógicas entre os estudantes, bloqueiam qualquer tentativa para abrir a universidade. Assim, os estudantes desempenham conscienciosamente as suas tarefas para graus médios nos seus países e depois os mais ricos ou mais empreendedores vão para os Estados Unidos para conseguir fazer algo. Estou convencido que o maior desequilíbrio entre os Estados Unidos e o resto do mundo assenta no sistema universitário, fonte de conhecimento e educação, e logo de riqueza e poder, na era da informação.

Uma das coisas que acho que retiro do que já li da obra de Castells é a seguinte: existe muito para fazer na melhoria do mundo e das condições de vida, mas para todos os países que ainda não chegaram ao ponto onde estão os melhores (e que são a grande maioria), a receita já está feita. Sabe-se quase tudo o que é preciso fazer. É preciso é fazer-se. E as coisas não se fazem sózinhas. Se não nos mexermos vamos mesmo ficar para trás. Mesmo.

5 de outubro de 2004

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